domingo, 25 de setembro de 2016

“AQUILO LÁ É UMA ESTRELA QUE ANDA!”

"Os slides brasileiros mostram um Brasil
paupérrimo ao lado de um Brasil pujante e entre
os dois a única opção: a tecnologia, o Saci que,
saltando da mitologia indígena, fará mais uma
marotice, em vez de ajudar o Pedrinho de Monteiro
Lobato em suas caçadas em Taubaté, ajudará o
Brasil a aprender a ler, a ter noções de higiene, a
sair literalmente da lama das favelas para uma
Brasília global, técnica, asséptica, majestosa, o
Colosso do Sul emulando a Estátua da Liberdade."
(O avatar do dr. Von Braun. Veja. 22-11-1972)

“Ficávamos horas seguidas a olhar o espaço
 e a conversar sobre as coisas esquisitas
deste mundo, e a fazer planos sobre a
nossa vida quando fossemos grandes.”
(Saudade. Thales Castanho de Andrade. 1919)

“Os satélites artificiais que giram em torno da 
Terra têm demonstrado que tudo aquilo que antes 
parecia uma fantasia da imaginação, é já um fato.”
 (Wernher Von Braun)


Modéstia às favas, penso as vezes que sou mais um daqueles narradores de que falava o velho Walter Benjamim, tipos que, já em sua época, pertenciam a uma espécie em extinção, sujeitos cada vez mais difíceis de se encontrar porque o que descreviam era algo cada vez mais incomum, ou seja, o ato de descrever a sua própria experiência de vida falando de coisas inusuais e até mesmo insólitas. Tudo bem: o sábio Benjamim faleceu cinco anos antes do visionário Arthur Clarke preconizar os satélites, e sete antes do advento da Ufologia, nascida em 1947 com o famoso caso do Kenneth Arnold, mas creio que a coisa ainda se mantém inalterável: uma classe de memorialistas muito rara, gente metida a discorrer sobre assuntos que à pouca gente interessa, infelizmente. E é exatamente sobre coisas inusuais que falarei aqui ― um assunto raro entre escritores comuns: os satélites artificiais, e, naturalmente, discos voadores...

À história!

Uma certa noite de verão, na residência de um morador da pequena colônia que existia nos fundos do lado oeste da fazenda Palmeiras, numa noite de tempestade uma descarga elétrica foi atraída pela antena de TV, e atingiu o televisor. Foi assim que, pela primeira vez, vim a saber de um televisor atingido por um raio. 

Na noite seguinte, meu pai foi requisitado por seus serviços de revendedor de televisores usados, e, como ele fazia as vezes, me levou consigo. Foi também nesta noite que, por acaso, vim a me deparar com o primeiro satélite artificial de minha vida. 

Assim posto, falarei aqui não só do incidente com o televisor, mas também do advento dos satélites artificiais, tema que me fascina desde a infância.

Antes de mais nada, é desejável que iniciemos a leitura com música adequada ao cenário, e disponibilizo aqui o grande mago da Ambient Music, o tecladista australiano Steve Roach, que em seu disco de 1989, "Stormwarning", traz a música mais que apropriada para falarmos destas luas artificiais.


"Stormwarning" - Steve Roach


Céus e terras do Brasil...

Como já o disse em algum de meus livros, provavelmente em “Dating of the literature”, à partir de 1972, quando fui cursar o ginasial na escola “Cesário Coimbra”,  comecei a frequentar com assiduidade a Biblioteca Municipal e vasculhar seu acervo em busca de livros com temas que me atraíam, como Astronomia, Aviação, Astronáutica e Meteorologia, dentre outros temas.

Se me permitem a precisão de relacioná-los, dentre os livros que li ― em sua maioria antigos ―, me recordo de “Meteorologia Brasileira” (1945), escrito por J. de Sampaio Ferraz, um clássico do gênero, suponho. Outros eram: “A Atmosfera” (1960) e “O Dono do Tempo” (1945), ambos de R. Argentière; “O Conhecimento o Tempo em Agricultura” (1945), de Afonso Barata; “A Meteorologia” (1964), de Ivan Ray Tannehill, e, finalmente, “As Tempestades” (1963), de Thelma Harrington Bell. Todos, sem exceção, livros curiosos e instrutivos, bem escritos, agradáveis de ser ler, de linguagem simples e de fácil compreensão. Ia se formandotambém o menino pensante e indagador, curioso de tudo o que ia, vinha ou se via nos céus, o amante dos fenômenos atmosféricos e anômalos, o menino nefelibata...

Vale lembrar também que o pontapé inicial que havia me impactado fora dado pelo advento da Corrida Espacial, que no final da década de 1960 havia virado uma febre à nível mundial, e eu ― totalmente imerso na onda ―, me recordo, do meu interesse especial por uma das diversas áreas da Astronáutica, ou seja, os satélites artificiais, que surgiu em pleno ano da graça de 1968. Falemos, pois, desta minha paixão.


O SACI celeste

O Satélite SACI - revista Veja, 25-9-1968
Após o citado ano, atravessei a minha existência, da infância à idade adulta, com a grata e inapagável imagem de um pequeno satélite brasileiro cujo projeto eu sempre imaginei não ter vingado ― e eu estava certo! ―, satélite de curioso nome ― SACI, um batismo folclórico, portanto ―, e que, com o passar dos anos, nunca mais ouvi falar ou encontrei referência alguma sobre ele, isto, por mais que envidasse esforços nas buscas. Ele havia se tornado para mim algo como o próprio Saci folclórico, o misterioso negrinho perneta, o mito de que todos falam, mas a maioria não vê... 

Sabia que o tinha visto sim, no final da citada década, na capa de uma publicação que eu imaginava ser a então revista Realidade, e foi um encontro fortuito que se não resultou numa curiosa história, definiu uma de minhas tendências, a de ser apaixonado por satélites artificiais. E esta dúvida e procura durou até o advento da Internet e da digitalização de revistas e jornais: dois dias antes de eu dar início a este texto, vasculhando exemplares no acervo digital da revista Veja, com enorme felicidade vim, finalmente, a me reencontrar com o desaparecido SACI! Portanto, décadas separavam a primeira visão do reencontro! Houve um engano: sua imagem não estava na capa da revista, mas em seu miolo, no exemplar lançado em 25 de setembro de 1968, numa bela imagem colorida ― uma ilustração à cargo de Hans Haudenschild, um artista gráfico nascido em Tatuí em 1940, e que se notabilizou na temática equestre, ou seja, pintando cavalos, justamente o animal a que o saci mitológico mais se associa, seja por ser visto cavalgando nele, seja por, às ocultas, fazer trancinhas e nós cegos em suas crinas... Era uma ilustração linda, a pintada pelo Hans, e eu ― foi botar os olhos ― me apaixonei de pronto! Pois vejam que maravilha: um engenho espacial batizado com o nome daquele negrinho folclórico de que os livros escolares nos falavam!

Portanto, foi o SACI o primeiro satélite artificial que vim a conhecer, e foi justamente ele que me levou a interessar por este tão fascinante quanto apaixonante tema: o advento dos satélites artificiais, estes incríveis engenhos lançados ao espaço que levaram os olhos e ouvidos humanos para além dos limites da Terra.

No dia do lançamento desta revista, fazia cerca de sete meses que o gigante satélite Echo IA ― de que falarei adiante ― havia saído de órbita e se inflamado ao reentrar na atmosfera terrestre. Já o Echo II, que o sucedeu, reentrou em 7 de junho de 1969, justamente quando a Apollo 11 já se preparava para levar os primeiros astronautas à Lua. Nesse interregno, o projeto do SACI estava a todo vapor a cargo de uma grande equipe trabalhando dia e noite em cálculos e mais cálculos.

*   *   *

Pela sua importância em minha vida, há muito que eu queria escrever sobre este satélite, mas eu nada tinha além de sua imagem já desfocada na memória, ao contrário de seu inesquecível nome: SACI. Então, como eu poderia escrever o que quer que fosse sobre ele, se de nada dispunha? Foi triste, à ponto de eu quase duvidar de que tenha visto aquela imagem um dia!... 

Na verdade, a maioria dos desmemoriados brasileiros se esqueceram do SACI, e ele permanecia tão incógnito quanto aquele que se pretendeu ser o primeiro satélite norte-americano, o obscuro Big Brother, que igual ao seu irmão tupiniquim, nunca chegou a ser construído...

No entanto, o nosso humilde satélite, cujo projeto era da alçada da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (CNAE), instituição sediada em São José dos Campos−SP, tinha uma missão, por assim dizer, mais nobre que o construído pela Lockheed Aircraft, pois o engenho ianque seria um satélite espião ― o “Spy in the sky” ―, enquanto o nosso teria fins educacionais e de comunicação. Por “espião”, entenda-se uma clara alusão ao Big Brother, o fictício personagem do livro 1984 de George Orwell, e também, amigo, subentenda-se: uso com intenções bélicas!... 


Afinidades eletivas

A pastora Danka e amigo Tonholi, dez. 1980
O Carlos Tonholi, assim como o Teschinha ― amigos que participam destas histórias ―, eram meninos inteligentes com os quais eu tinha afinidades intelectuais e gostos em comum, e sempre comentávamos as novidades: o primeiro, mais com a Aviação e Astronáutica, e o segundo, com a Fotografia, Astronomia e a Ufologia. Havia também, na cidade, o Silvio Baggio que, igualmente, era um menino muito culto e curtia Astronomia, e de que falarei em outras histórias. No dizer de Humberto Werneck, só as safras mais antigas de amizade “ostentam o privilégio de haverem compartilhado descobertas primordiais”, e acredito nisto, pois, como se sabe, nas primeiras idades, o impacto psicológico das descobertas, como as obtidas nas leituras, por exemplo, são intensas e marcantes, e sempre que nos víamos tínhamos a maior satisfação em dividir as novas informações.

― ...SACI era o batismo daquele primeiro satélite que vi naquela revista, Tonholi.

― Saci?! Você está brincando...

― Procê ver, Tonholi!...

― Caramba, o nome de um molequinho perneta para um satélite!

― Achei legal, e o Monteiro Lobato, se fosse vivo, tenho a certeza de que ia gostar!

― Sim, mas que fim deu ele?

― Nunca mais ouvi falar, Tonholi!

― Ué... que estranho!...


"Plano de educação pelo céu"

― E prá que ia servir esse satélite, Wenilton?

― Não me lembro.  

O projeto SACI
Explicando melhor, o projeto da “escola espacial” do CNAE previa a construção de um satélite doméstico de telecomunicações para aplicações educacionais por meio de rádio e televisão. 

A Veja de 12 de março de 1969 falava que num “plano de educação pelo céu”, que através do SACI pretendia erradicar cerca de 24 milhões de analfabetos do país.

Satélite ATS-6 - NASA
Porém, oito meses após a primeira reportagem, mesmo com os cálculos mostrando a viabilidade do projeto, ele era “apenas uma bela ideia a ser vendida ao Governo”... Após o aval deste, o projeto se iniciaria cinco anos depois, ao custo de 3 mil cruzeiros novos por aluno. O custo do satélite e das 200 mil estações terrestres estavam estimados em 260 milhões de dólares, ou seja, 10% do que o Brasil gastava com educação em cinco anos.

Embora a ideia da construção de um satélite no país tenha se mostrado complicada naqueles tempos, sua viabilidade foi comprovada por meio de um programa de tele-educação a distância realizado entre 1973 a 1975, através do satélite norte americano ATS-6, que era utilizado no projeto durante 30 minutos diários.


Morte de SACIs

Satélite SACI-1 - Brasil
Um fato curioso se deu, cerca de três décadas depois ― mais exatamente em 14 de outubro de 1999 ―, quando fora lançado um satélite com nome semelhante. E penso eu que o fato de este novo satélite ser batizado de SACI−1 era uma justa e clara homenagem ao primeiro SACI que não aconteceu, mas, estranhamente, não encontrei reportagem que aludisse ao fato ― não acredito numa coincidência. Porém, as siglas de ambos, e mesmo as aplicações, tratavam de assuntos diferentes: no primeiro SACI a sigla significava “Satélite Avançado de Comunicações Interdisciplinares”, e no segundo, “Satélite de Aplicações Científicas”.

― Você viu, Wenilton, que foram lançar o satélite SACI só agora, 25 anos depois!

― Mas será que é o mesmo, Tonholi?

― Vai saber... não vi, não ouvi nem li sobre alguém falando alguma coisa. 

A ironia do destino foi que este “segundo” SACI malogrou também, mas de maneira deveras prejudicial: em 11 de maio do ano seguinte, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) admitira que o satélite se perdera por falhas funcionais, ou seja, falência das baterias solares, e os prejuízos remontaram à fabulosa soma de US$ 4,6 milhões.

― E esse novo SACI vingou?

― Que nada, Wenilton: passados oito meses as baterias solares pifaram e o satélite se perdeu!

― Xiiii!...

Mas acontece que o projeto SACI sofrera uma nova baixa, o que se deu logo após o primeiro fracasso, isto, no fatídico 11 de dezembro de 1999, quando uma falha num dos motores do Veículo Lançador de Satélites (VLS), que lançaria o SACI−2, provocou a explosão do foguete. O SACI−2 custou US$ 1 milhão e o INPE deu por encerrado o malogrado e oneroso projeto.

Será que foi o batismo de saci que deu azar ao satélite, Wenilton?

Vai saber... mas, pensando bem, acho que era um satélite caduco...

― Ãhnnn?!

A "Lua Vermelha" e Laika, a cadelinha cosmonauta!

O Sputnik II
A história é sempre a mesma: quando o foguete termina a sua missão de colocar o satélite num ponto almejado do espaço, este, como uma luazinha, torna-se algo como um corpo celeste sujeito às mesmas leis dos movimentos planetários. Mal entra em órbita, feito um laboratório que trabalha em lugares onde o homem normalmente não se mantém, começa a vasculhar a Terra e o espaço imenso que a circunda, investigando sob todos os azimutes, sendo que, por sua rápida gravitação, os movimentos, as irregularidades, as variações seculares se desenrolam rapidamente onde seriam necessários anos a fio para os medir através dos movimentos planetários.

A cadelinha Laika, em sua cabine no Sputnik II
Não sei se estou certo, mas, no meu entender, os satélites me parecem uma dessas invenções surgidas todas numa mesma época, como ferramentas involuntárias de uma necessidade evolutiva inconsciente. Naquela época, as pesquisas do gênero, em sua maioria, estavam limitadas, por assim dizer, ao solo, digo, às estações terrestres, e o advento dos satélites veio provar que observações feitas a partir do céu eram imbatíveis, não importando quão numerosas e técnicas fossem as estações em terra. 

Desde o Sputnik I, foi assim que a mecânica celeste se beneficiou das inúmeras e preciosas descobertas e contribuições proporcionadas pelos satélites, poupando o trabalho dos cientistas, pois seus movimentos equivalem a séculos de cálculos e de paciência. Assim, os sete primeiros
O Sputnik II cruza os céus da Inglaterra.
satélites lançados colocaram o ser humano numa nova fronteira científica, pois permitiram logo nos primeiros meses de funcionamento acumular uma imensidade de informações inéditas e bastante preciosas, uma soma fantástica de conhecimentos de toda espécie, e, não nos esqueçamos que as vantagens que a humanidade passava a adquirir estavam apenas no prelúdio e havia ainda pela frente um futuro promissor e prodigioso. 

Quando o Sputnik I anunciou a era interplanetária, citou-se que "em nenhuma história humana, a notícia de uma descoberta científica provocou tão violento impacto sobre a opinião pública de todos os países", fato que só voltaria a se repetir com a chegada do homem à Lua em 1969. Houve até quem afirmou (The Public Opinion Quarterly, 1960) que "o único outro evento na história recente que pode igualar com o do conhecimento público sobre o Sputnik foi a explosão da bomba atômica em 1945", o que é surpreendente.

o Sputnik II rendeu tanta repercussão quanto o primeiro. Também chamado de o Grande Sputnik, tinha cerca de meia tonelada, e levava à bordo o primeiro ser vivo a atingir o espaço bem como sua primeira vítima, que respondia pelo singelo nome Laika, que após o feito passou a ser batismo de inúmeros cães por todo o mundo ― na virada das décadas de 1970 e 70, tivemos uma cachorra da raça pastor-alemão com esse nome, também batismo da cadela do então Presidente Emílio Garrastazu Médici.

E essa animada cadelinha, a primeira viajante do espaço, nos intrigava com sua história:

― Mas, Wenilton, de que serviu mesmo a viagem da Laika num satélite?

― Acho que ela foi uivar para a Lua lá em cima!

― Há, há, há!...

― Falando sério, Tonholi, os cientistas queriam saber o que a radiação e a falta de gravidade causam num ser vivo?

― Então o que ela passou no espaço os astronautas iriam passar depois, né? 

11-12-1957: o Sputnik ll passa sobre os ceús de Denver.
― Também acho.

― Estive pensando, Wenilton...

― Em que, Tonholi?

― Já parou para pensar que as bombas V-2 foram um mal necessário?

― Como assim?

― Se não fosse elas, não teríamos os foguetes de satélites e depois os que levaram o homem na Lua. 

―  Tinha me esquecido disso...

― Mas não foi o Von Braun que depois de ter trabalhado com bombas na Alemanha, trabalhou com foguetes nos Estados Unidos para serem usadas nos projetos espaciais?

― Podes crer, Tonholi! Nunca tinha pensado nisso!... mas será que sem a guerra e as V-2 o homem não teria ido à Lua?

― Vai saber...


Satélites exorbitantes!...

Gerado em maio de 1960, eu estava há quatro meses na barriga de minha mãe quando o fantástico satélite Echo IA foi lançado, ou seja, no 12 de agosto seguinte. Aliás, muito me satisfaz lembrar que nasci em pleno boom do advento dos satélites, melhor, da própria Astronáutica, já que o russo Yuri Gagarin foi o primeiro astronauta da humanidade ― ou cosmonauta ― em 1961.

Por esta época, a Ciência somente havia começado a tocar a superfície de nossa ignorância no que se referia aos conhecimentos profundos da atmosfera superior e das informações que podemos obter sobre o universo por meio de aparelhos colocados acima das camadas mais densas, de modo que apenas menos de 20% da atmosfera até então havia sido analisada adequadamente. Mais precisamente, apenas 1/3 do planeta era monitorado por estações meteorológicas, satélites, foguetes e sondas, aviões e navios em alto-mar, de modo que previsões mais precisas não podiam ser realizadas já que não era possível uma visão de conjunto de todos os continentes.

O gigantesco Echo I, em agosto de 1960.

Uma pausa se faz necessária aqui: não é justo, amigo, que continuemos esta história sem uma trilha sonora adequada, portanto, deixe-me, tal como o cineasta Sergio Leone, esticar a cena ao som não do Ennio Morricone, mas de, naturalmente, Pink Floyd!...

 
"Obscured by Clouds" - Pink Floyd

A passagem do Echo tendo ao fundo a Via Láctea.
Curiosamente, o Echo IA não tinha equipamentos à bordo, a não ser uma pequena antena para medir sua altura. Assim, foi ele o primeiro satélite passivo de comunicação do planeta ― portanto, refletia e não retransmitia. Com sua imensa capa de alumínio, devolvia para o mundo todo os sinais enviados pelas estações terrestres.

Seus horários de passagens por inúmeros países eram divulgados nos grandes jornais, e, assim, tornou-se possível a sua visão milhões de pessoas pelo mundo todo.

*   *   *

Meu tio João Rocha entrou em casa à procura de minha mãe. 

― Lourdes, já está escurecendo! Vamos lá fora ver o satélite gigante que vai passar! Vi no jornal hoje o horários, e já está quase em cima! 

Minutos depois, surgia acima do horizonte nordeste a incrível luz! 

― Alá, Lourdes, é ele! Vem vindo e vai passar aqui em cima!

O Echo I e o Echo II se cruzam no céu após o lançamento deste.
Foto - Sandia Corporation, com  duração de 6 minutos, em 25-1-1964.
― Como é brilhante, não, irmão! Parece a Estrela Dalva!

― Verdade!

― Como ele chama?

― Echo.

― Eco, que significa aquela repetição de som?

― Não sei se o nome vem disso, Lourdes.

― E como ele é?

― Muito grande, metálico e redondo que nem essa sua barriga aí!

― Nossa, ele acabou de dar um chutinho aqui dentro!

― Já tem nome para o nenê?

Passagem do Echo I por Bayville, New Jersey, 14 de março de 1963. 
― Tenho quase a certeza que vai ser homem porque ele chuta muito, João, e acho que vou colocar Wenilton.

― Do Nilton Santos, futebolista?

― Não, não, você ouviu mal, e nem foi o Walter que escolheu o nome.

― De Newton, o cientista, então?

― Também não. Eu apenas peguei o nome Venilton, com “V” ― de um cantor que eu gosto muito ― e coloquei “W” no início, assim como o “W” do Walter. E, como você sabe, os dois gêmeos também começam com “W”.

― Sim, sim.

― Mas quem sabe ele seja cientista, né, João!...

― De futebolista já basta o Walter, Lourdes?

― Nossa, João, ele deu outro chute aqui dentro agora!

― Olha só!...



Lua de prata

― Tonholi, eu li que o plástico de que é feito o satélite Echo I tinha 12 milésimos de milímetro, um pouco menos que aquele que plastiquinho da embalagem dos maços de cigarro! E do Echo II era mais grosso, de quase 20 milésimos.

― Caramba, Wenilton, mas esse plástico de cigarro se rompe facilmente! Como eles não eram furados lá em cima por meteoritos?!

― Sei lá. Mas disseram que o Sputnik I passou através de diversas chuvas de meteoros e não sofreu nenhum dano.

― Incrível! 

― Ah, Tonholi, lembra daquele caso do Villas-Boas? 

O rapto de Antonio Villas-Boas.
― Que caso? 

― O daquele agricultor de Minas que foi raptado por um OVNI. 

― Ah, sim, me lembro ― parece que é o primeiro caso do tipo acontecido no Brasil.

― Foi mais que isso: foi o primeiro caso de abdução do mundo!

― Caramba! Mas o que você ia falar sobre ele?

― Pois é: sabia que ele aconteceu 12 dias depois do lançamento do Sputnik?

― Olha só que coincidência!


O Echo II, e seus 42 metros de diâmetro, em 1964.
Ambos os Echos eram um misto de satélite e balão, e por isso mesmo também eram chamados de satelloons. Eram globos feitos de um filme PET transparente, fino, não elástico, mas altamente resistente ― uma película chamada Mylar. Suas carcaças eram um sanduíche feito de alumínio/plástico/aluminio, e inflados apenas o suficiente para encher esse conjunto ― o que lhes proporcionava uma boa superfície reflectora. 

Após cheios, praticamente se tornavam uma esfera de metal rígido, o que significava que eles iriam manter suas formas mesmo se perfurados. Eram inflados quimicamente com gás, possuindo 30 metros de diâmetro e cerca de 60 quilos de peso o Echo I, e 42 metros e 184 quilos o Echo II

Após o lançamento, o Echo I, ao atingir 650 quilômetros de altura, inflou até se tornar um balão gigantesco ― era como uma lua artificial de prata, porém, com um brilho de magnitude -0,9, ou seja, pouco menor do que o da estrela Sirius, que é de -1. Estabilizado numa órbita baixa, circulava em torno da Terra a uma distância de mais de 1.500 quilômetros, atuando como uma esfera coletora de ondas de rádio, telefone e TV, e além de fazer as primeiras triangulações geodésicas servia também como instrumento sensitivo capaz de medir o efeito da luz do Sol e a densidade atmosférica a grandes altitudes. Já o Sputnik I era de brilho bem pequeno, não ultrapassando a 9ª magnitude, ou 5ª, segundo outra fonte.

― E qual o tamanho desses bichos, Wenilton?

― O primeiro tinha 30 metros de diâmetro, e o segundo mais de 40 metros!

O Echo I, sobre Pasadena, California, em 12 de agosto de 1960
― Caramba, eram grandes prá caramba!

― Se eram! Deviam ser tão grandes como os maiores prédios da Usina!

― Do tamanho das chaminés?

― Não, não, Tonholi, nem tanto. Meu tio Gusto Paura falou que a maior tem 65 metros de altura.

― Que pena, Wenilton, que ainda não tínhamos nascido quando eles estavam em órbita!... Já pensou que loucura ver essas bolas luminosas passando no céu?!

― Para mim não foi tão ruim assim Tonholi, porque eu vi um outro satélite do mesmo tipo deles, o Pageos, que, apesar de menor, voava mais alto e brilhava bastante também.

― Que cara sortudo!

Vídeo sobre o projeto Echo


Uirapurú, via Relay, manda notícias para o planeta

Há outro fato em minha vida envolvendo o tema satélites, e que já foi narrado em outro livro da série, no supracitado “Dating of the literature”, no capítulo “Magic bus”. No final da década de 1960 viemos a conhecer um jovem chamado Carlinhos Cosmo, um taxista que namorava uma vizinha nossa na Usina, a Sonia Lima.

Carlinhos Cosmo e Sonia Lima, década de 1970.
E o Carlinhos, um belo dia, sabendo que meu pai criava pássaros, apareceu em nossa casa com o segundo disco da série gravada pelo ornitólogo Dalgas Frisch, o ótimo “Vozes da Amazônia, com o lendário canto do Uirapuru”, lançado anos antes, na primeira semana de dezembro de 1963. Nesse dia, nos reunimos em volta da vitrolinha na área de nossa casa, e nos pusemos a ouvir as maravilhas do disco que o Carlinhos trouxera. Este disco eu voltaria a reouvi-lo anos depois, quando o ônibus itinerante do pesquisador e taxidermista José Hidasi chegou em Araras com sua “Exposição Educativa das Selvas do Mato Grosso”, isto, na segunda semana de fevereiro de 1970. O disco, além de outros do Dalgas, era ouvido em alto e bom som nos alto-falantes do ônibus estacionado na praça central da cidade.

O satélite Relay I, em 1962
O mais incrível feito deste disco foi que, por intermédio da Fundação Santos Dumont, a gravação do Uirapuru inserida no disco foi transmitida ao mundo todo através do Relay 1, um satélite norte-americano lançado a 13 de dezembro de 1962. 

A estação de Jacarepaguá
Não se sabe, porém, se o disco foi enviado à alguma instituição dos EUA ― quiçá a NASA ―, ou se a gravação do canto foi transmitida da estação de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, à estação sediada em Nutley, no EUA, que, por sua vez, retransmitiu ao mundo todo através de inúmeras estações coletoras de outros países. O canto, que talvez tenha sido enviado por ocasião da Natal, era acompanhado da seguinte mensagem de autoria de Luiz Netto dos Reis,  Marechal do Ar, conselheiro da citada fundação:

“O canto de um pássaro brasileiro ― o Uirapuru, é a flauta mágica e angelical que ressoa nas florestas das Amazonas. Dizem lendas seculares que ouvir esse canto é seguro penhor de felicidade. É com essa crença que retransmitimos, pela astronave que deve unir todos os povos com o pensamento em Deus ― o RELAY, com uma mensagem de paz e de amor para todas as raças humanas.“

E já que falamos da Amazônia, é oportuno esclarecer que antes do advento dos satélites se acreditava que a Amazônia era pobre em reservas minerais; mas depois descobriram que havia reservas de estanho (cassiterita), manganês, alumínio (bauxita), tungstênio, titânio, cobre, chumbo, zinco, mercúrio e ferro, assuntos de que eu já ouvia falar muito nas aulas de Geografia na escola “Cesário Coimbra”. Sobre esta esplêndida riqueza, nada mal para uma nação que pensava que lá só havia fauna e flora em profusão... 

Folha de São Paulo. 8-1-1976
Há uma história triste envolvendo o Relay: ele foi o primeiro a realizar uma transmissão de TV entre os Estados Unidos e o Japão. Essa primeira transmissão era para ser apenas uma mensagem do presidente dos Estados Unidos à nação japonesa, mas, infelizmente, foi justamente o anúncio do assassinato de John F. Kennedy, ocorrido em 22 de novembro de 1963. 

O Sputnik I, em 1957
Houve ainda duas transmissões históricas feitas por outros satélites: a primeira não foi bem uma transmissão, mas o primeiro sinal eletrônico enviado à Terra por um satélite artificial, no caso, o primeiro deles, o soviético e famosíssimo Sputnik I o "pequeno companheiro" , que assombrou o mundo com seus ingênuos bip-bip-bip... Depois foi a mensagem de Natal de Eisenhower, Presidente dos EUA, transmitida através do satélite Score em dezembro de 1958.

Crianças observam a passagem
do Sputnik I em outubro de 1957.
Particularmente, preferiria ter ouvido o canto fantástico do Uirapuru através do Relay que os simples bip-bip do Sputnik ― meus pais, provavelmente, ouviram em algum lugar o pulsos desse satélite soviético, mas eu ― oh, céus! ―, nem nascido era ainda!... Porém, quando o canto do mitológico pássaro ecoou pelas rádios do planeta, eu tinha apenas 2 anos, e, convenhamos, com essa idade, caso tenha ouvido a transmissão, eu não ia entender muito bem o sentido do canto de um pássaro transmitido naquelas circunstâncias. Certamente, só vim a ouvir falar dele através da famosa canção “Uirapuru” gravada pelo grupo Nilo Amaro & Os Cantores de Ébano, por sinal, no mesmo ano do lançamento do disco do Dalgas, dolente melodia que eu a ouvia no rádio de casa, pois fez sucesso por anos a fio ― mas era uma música que falava do pássaro e não a gravação do canto que ele emite. 


― ...mas você já ouvi alguma vez, Wenilton, a gravação do famoso bip-bip do
Crianças ouvindo os bips do Sputnik I.
satélite Sputnik?


― Que eu me lembre, não, Tonholi! E você?

― Eu já!

― E como é?

― Lembra um pouco aquele som do sonar do submarino do seriado “Viagem ao Fundo do Mar”.

― Interessante... Tonholi, mas quando li a respeito cheguei a pensar que era igual ao bip-bip do personagem Papa-Leguas, aquele da Turma do Pernalonga que é perseguido pelo coiote.

― O bip-bip fanhoso do Papa-Leguas parece buzina de perua Kombi!

― Há, há, há... mas não sei se você sabe...

― Sabe o quê?

― Que quando a União Soviética lançou o Sputnik, teve norte americano que acharam que os Estados Unidos capturaram os alemães errados?

― Verdade?! Ah, ah, ah!... É, mas foi só o Von Braun colocar os homens na Lua que eles viram que fizeram o correto!

― Podes crer!



O bip-bip do Sputnik I


O Sputnik brasileiro...


Em seu livro "Sputnik, a Lua Vermelha" (1957), o jornalista Queiroz Júnior vaticinou que

"(...) agora, podemos viver em paz, e que as Luas Vermelhas também devem ser cantadas pelos poetas porque sua presença inesperada entre as estrelas parece ter afastado qualquer possibilidade de uma nova guerra mundial."

E assim se deu também entre nós...

A sonda Lunik 9
Muito antes de “Starman”, a icônica canção intergaláctica do David Bowie, do David Bowie ser deturpada como “Astronauta de Mármore” no Brasil pelo Nenhum de nós” (quem?) e, mais ainda, por Seu Jorge, já havia artista por aqui gravando músicas louvando os feitos e engenhos da Era Espacial. Ainda em 1969, a cantora Maria Creuza lançou um disco com pelo menos três músicas com temática espacial, e chegou ao requinte de batizá-lo “Apolo 11”, com direito a uma bela ilustração de capa com a própria espaçonave orbitando a Lua. Já o  irônico cantor Juca Chaves, em 1970, limitou-se a ironizar os diversos insucessos da missão Vanguard dos EUA, onde alguns satélites se perderam em explosões de foguetes, numa situação que durou três meses e envolveu cinco satélites malogrados. Numa modinha sua, “Tô duro”, ele cantou:



"Tal qual um foguete eu sou um fracassso 
Tento subir, porém, só desço neste mundo."

Já em 1967, o Gilberto Gil cantava Lunik 9, que não era propriamente um satélite, mas uma sonda interplanetária enviada ao satélite da Terra. Lançada em 31 de março de 1966, tornou-se no primeiro satélite artificial da Lua.

“Poetas, seresteiros, namorados, correi
É chegada a hora de escrever e cantar
Talvez as derradeiras noites de luar
Momento histórico
Simples resultado do desenvolvimento da ciência viva
Afirmação do homem normal
Gradativa sobre o universo natural
Sei lá que mais"...


Os Sputniks: Tim Maia e Roberto Carlos, 1957
Voltando anos antes, o nome Sputnik serviu de batismo à uma banda de rock, a The Sputniks, um grupo formado no Rio de Janeiro em 1957 por Tim Maia (à época, Tião Maia), que logo depois de formado teve o Roberto Carlos como integrante, mas foi uma banda de vida tão breve quanto o próprio satélite. 

― O satélite Sputnik aproximou os cientistas do mundo, mas o Sputnik do Roberto Carlos e do Tim Maia, hummm...

― O que era o Sputnik deles, Tonholi?

― A banda deles, que, na verdade, não foi muito além da contagem regressiva na rampa de lançamento, e mal decolou!...

― Porquê?

― O Roberto Carlos quis fazer um voo solo no programa do Carlos Imperial e o Tim Maia catapultou ele do conjunto!

― Mas isto foi bom para a carreira do Roberto Carlos.

― Sem dúvida, Wenilton, mas o Tim Maia foi esperto: talvez com inveja do Roberto, também saiu do grupo e foi tentar fazer seu proprio voo no mesmo programa... 

Acredito, porém, que o primeiro a mencionar um satélite numa letra de música foi o baiano Paulo Diniz, em 1970, mas falava de um anterior à Lunik 9, o Intelsat I, também conhecido como Early Bird (Pássaro Madrugador), colocado em órbita em 1965. Cantara ele, com grande sucesso em todo o país:

“Via Intelsat eu mando
Notícias minhas
Para o Pasquim
Beijos pra minha amada
Que tem saudades
E pensa em mim”


Coincidentemente, ainda em 1970, o Roberto, preferiu esquecer de vez os satélites, e foi procurar voar mais alto ainda com seu “O Astronauta”...


“Um astronauta eu queria ser
Pra ficar para sempre no espaço sideral
E desligar os controles da nave espacial
Não vou voltar pra Terra não.”

Dois anos depois, por ocasião da sétima e última edição do Festival Internacional da Canção (FIC), produzida e exibida pela TV Globo em 1972, novamente Sputinik serviria de inspiração para uma outra canção. Inédita em disco, a música se chama “Bip Bip”, tendo sido feita pelos compositores Ednardo e Belchior. A canção chegou a ser apresentada nas eliminatórias do festival, mas não ficou entre as músicas finalistas e acabou esquecida, sem registro fonográfico.


“Um sinal espacial
Bip bip... Bip bip
Um sinal celestial
Bip bip... Bip bip
Meu especial ouvido
Meu especial ouvido
Recebido, comovido
OK, câmbio universal
Supersom, como é que vem?
Moro junto do canal
Rádio. Ponto cardeal
Leste Sul – Sorte Nordeste
Morte ao vivo e ao natural
Meu amor => seta difícil
Virgulino, acento, til
Não tenho nada com isso
Abraço C com cedilha
Bio-tônica Brasil
Amor – Um abraço luminoso
Amor – E um beijo Eletricor.”




O satélite Pageos I, outro gigante da família

Como se viu, os dois Echos, por serem revestidos de alumínio, se tornavam dotados de extraordinário poder refletor. Isso tornava possível vê-los à olho nu brilhando tanto quanto as estrelas de primeira grandeza, sendo que em relação ao Echo II havia apenas seis estrelas de primeira grandeza mais brilhantes! 

O satélite Pageos I
Então, pelos meus cálculos, provavelmente, creio que o satélite que eu vi naquela data  era mesmo o Pageos I, também da NASA, que tinha cerca de 30 metros de diâmetro e também era revestido de material brilhante e reflexivo, portanto outro satélite-balão.  

Como os do tipo Echo, o Pageos era um satélite projetado de modo a assegurar o mínimo de transmissão calorífera e o máximo de reflexo luminoso. Nenhum outro satélite em órbita nesta época era grande como o Pageos e nem tinha o mesmo poder reflexivo. O Pageos gravitava mais alto que os Echo, indo até 5.400 quilômetros, onde alcançava a luz do Sol, o que lhe permitia poder ser observado a qualquer hora da noite. Sua volta em torno do globo terrestre durava três horas. 

Utilizado como satélite geodésico, fora lançado em junho de 1966, e sua reentrada na atmosfera ocorreu em julho 1975, pondo fim à um dos projetos de satélites mais bem sucedidos do século 20. 

― ...oito quilômetros por segundo! Brincadeira, Wenilton! É rápido demais! E à essa velocidade é mais fácil ainda de ser perfurado por um meteorito!

― Vai saber, mas, nesta velocidade, ele vai da fazenda Palmeiras ao centro de Araras num piscar de olhos! O asteroide Ícaro é mais rápido ainda: ele vai de Araras à Santa Cruz da Conceição em 1 segundo!

― Caramba, meu!

― Li num livro, Tonholi, que a superfície da Terra se curva 5 metros para cada 8 quilômetros. Isto significa que se um objeto aéreo percorrendo 8 quilômetros caísse 5 metros, nesta velocidade ele se manteria em órbita. Para isso, sua velocidade deveria ser 8 km/seg., justamente a velocidade do Pageos!

― Que loucura! Então é por isso que ele se mantém em órbita!


Tantos em órbita, e raros são vistos!...

Passamos pela venda do Vichietini, e meu pai aproveitou para comprar uma bomba flit da Detefon. No carro, à sua espera, fiquei ouvindo no rádio “You and me”, do Moody Blues, uma excelente canção para abrir a noitinha! 

 “You and me” - Moody Blues

― Seu Vichietin, o senhor tem aquela bombinha de Detefon?

Bomba Flit, da Esso.
― Só da Flit, seu Walter. Vai levar uma?

― Vou, ou o senhor quer que eu traga os pernilongos aqui para dar veneno para eles?

― Há, há, há!... Essa é boa, seu Walter!

― Desculpa a brincadeira, seu Vichietini. 

― Que é isso, gostei da piada!  

― Pai, compra um doce para mim!

― Doce, doce, doce! Você só pensa em doce, menino! Qual você quer?

― Um cigarrinho de chocolate.

― Cigarrinho?!

― É... 

Retomamos o caminho.

― Pai, bem que a Rede Globo podia mostrar nesse programa novo dela um documentário sobre a nova estação espacial norte-americana Skylab, né.

― Que programa?

― O Globo repórter.

― Não assisti ainda.

Figurinhas do chiclete Você e Pluft Conquistam o Espaço
Vale lembrar que, atualmente, mesmo com tantos satélites orbitando o planeta, estranhamente não o vemos tão facilmente nos horários crepusculares se deslocando pelo céu em chusmas de luzes brilhantes ― com muita sorte, geralmente vemos uns cinco por noite e é tudo. Dos 13.000 satélites em órbita hoje, apenas 3.500 estão funcionando realmente, sendo que o restante é classificado como lixo espacial. Quando o número de satélites estava por volta de 10.000 satélites, citou-se que cerca de metade deles eram grandes o suficiente para refletir a luz solar e serem vistos a olho nu. 

Aqui, um pequeno histórico sobre número de satélites e detritos espaciais a partir da segunda metade da década de 1970. Em 1º de outubro de 1976, havia um total de 8.529 objetos girando em órbita da Terra. Deste total 794 eram satélites, dos quais 54 eram sondas. O restante era lixo cósmico, fragmentos de foguetes e satélites, bem como uma luva perdida pelo astronauta Edward White, quando de um passeio pelo espaço. Já em 1982 havia cerca de 6 mil satélites em órbita. Seis anos depois, uma contagem realizada pela Teledyne Brown Engineering para o Comando de Defesa Aérea dos Estados Unidos, estimou em 6.194 o número de objetos perdidos ou abandonados em órbita ao redor da 
Figurinhas do chiclete Você e Pluft Conquistam o Espaço
Terra. Os tamanhos dos objetos variavam de uma bola de tênis a uma geladeira, e somados a esse lixo estimava-se também outros 40 mil fragmentos milimétricos que não puderam ser quantificados. Segundo a Nasa, em 2013 existiam aproximadamente 370 mil fragmentos de lixo e equipamentos espaciais em órbita a velocidades de até 35 mil quilômetros por hora. Destes, apenas 22 mil eram possivelmente identificáveis e monitoráveis, sendo que grande parte do total tratava-se de detritos espaciais. Porém, todos os anos, segundo a ESA, de 100 a 150 toneladas desses detritos retornam à atmosfera terrestre. Em maio de 2015, computava-se que cerca de 13 mil objetos com mais de 10 centímetros bailavam nas vizinhanças do planeta com séria ameaça de danificar 600 satélites e equipamentos em operação. Em 2017 estimava-se que havia 170 milhões de fragmentos oriundos de naves, satélites e outros objetos orbitam a Terra como lixo espacial. Estima-se que existam hoje (2019) cerca de 22 mil fragmentos com mais de 10 centímetros circulando na órbita da Terra, e lembremos que esta órbita está repleta de equipamentos lançados ao espaço desde 1954 e a situação remete ao fato de que, em breve, já não será difícil que um foguete ou uma espaçonave decolem rumo ao espaço sem colidir contra um desses objetos. 

Estima-se que tudo começou com os dois Sputinks, que deixaram atrás de si de 7 a 9 escórias. Um dos primeiros (ou talvez o primeiro) satélite artificial a se tornar sucata espacial eu conheci através das figurinhas de um chiclete lançado em plena euforia da Apollo 11 em 1969, o tablete Pluft (Você e Pluft Conquistam o Espaço). Na verdade, através destas figurinhas eu vim a conhecer além de satélites, inúmeras sondas, naves, foguetes e outros engenhos espaciais. O satélite ao que me refiro é inesquecível Telstar I ― a “estrela comunicadora” ―, satélite que, apesar de ter tido uma vida útil de somente quatro meses após seu lançamento em 1962, num destino inglório, continua orbitando a Terra até hoje como ―disse-o há pouco ―, sucata!...

 
Ilustração sobre a atual situação de objetos orbitando a Terra.
Há fatos sobre o assunto que me deixam encafifado: se mesmo com tantos satélites em órbita hoje não é comum vê-los em quantidade, imagine-se há mais de 40 anos atrás, quando a número deles era bastante inferior. Até meados de 1960 contabilizou-se 33 objetos espaciais lançados, sendo que 18 estavam em órbita, pertencendo o recorde aos EUA, que colocaram 24 satélites em torno da Terra e dois em órbita solar. Três anos e meio depois do lançamento do Sputnik em outubro de 1957, o espaço cósmico havia sido visitado por nada mais nada menos que 93 luas metálicas, e a revista New Scientist (março de 1964), calculou que, na época, 20 satélites podiam ser vistos à olho nu, e cerca de 400 objetos espaciais artificiais, como corpos de foguetes e fragmentos variados orbitavam nosso planeta. A partir de 1965, cerca de 100 outros satélites foram colocados em órbita, chegando à 2 mil unidades no início da década de 1990. Só de satélites de comunicação do tipo Iridium, entre 1997 e 1999, 88 unidades foram colocadas em órbita.

Uma particularidade: desde esta época, toda vez que vejo um avião ou um satélite passando, comparando-os, me chama a atenção o modo como ambos se deslocam no céu, no seu movimento entre as estrelas. Os aviões, e mesmo jatos, parecem ter o voo pesado, mesmo que não lhes ouçamos o som de sua passagem. Já o satélite, parece deslizar entre as estrelas num voo elegante, discreto e silencioso. Comparo o voo dos primeiros aos ponteiros dos velhos relógios que saltam duramente de segundo em segundo, e o dos satélites aos ponteiros desses relógios modernos em que o mesmo ponteiro, sem dar saltos, gira continuamente como que deslizando. Veja com seus próprios olhos: os aviões e jatos parecem ter voo pesado, arrastados até, são espalhafatosos com suas luzes e ruído de motores ― está certo: são lindos! ―, mas os satélites ― ah, os satélites! ― são silenciosos parecendo não querer chamar a atenção de ninguém ― são como estrelas semoventes que não piscam ― no máximo, pulsam, emitem flashs ou mudam de magnitude e cor. Até hoje, me encanta a suavidade, a discrição e a velocidade desses veículos que passam diariamente por cima de nós quase que não sujeitos à lei da gravidade, isto enquanto, em silêncio, fazem seus preciosos serviços nas camadas mais altas da atmosfera.


O flare (lampejo) de um satélite Iridium, que chega à magnitude do planeta Vênus. Os Iridium foram criados
para o projeto da Motorola, empresa de telecomunicações multinacional norte americana, que consistiu em lançar
dezenas de satélites com o intuito de aprimorar a tecnologia de comunicação móvel. Acontece que assim que o
projeto foi concluído, a tecnologia já estava defasada e a empresa viu seus milhões de dólares bailarem pelo espaço.

Renato Borgatto, venda do Vichietini, 1975
Meio que na base do trocadilho com a palavra órbita, diria que o Pageos e Echo, por sua monumentalidade, eram satélites exorbitantes... E vale lembrar que estes satélites eram tão gigantes que uma grande árvore gameleira poderia ser colocada dentro deles!...

― Ih, e agora para encontrar a casa do dono da TV queimada?! Para variar, esqueci o nome dele?... Ah, olha o Renato Borgatto ali! Vamos ver se ele conhece o sujeito? 


O Renato respondeu: 

― Ah, eu conheci ele sim e ouvi falar da história do raio que caiu na TV. É o Irineu, filho do Zéca Custódio.

― Obrigado, Renatão!

― Disponha! 


A última colônia e a luz vermelha

― Ergue o rádio, pai, olha que linda essa música nova!

― Erguer o rádio e colocar em cima do painel ou do capô do carro?...

― Há, há, há!... ah, pai, para de brincadeira e aumenta o volume! 

A novo sucesso nas rádios era nada mais nada menos que a belíssima "Me and Mr. Jones", na doce e aveludada voz do Billy Paul! 

― Linda mesmo essa música hein! E que voz linda, meio sussurrada!

― Sim, pai! 

"Me and Mrs. Jones" - Billy Paul

A citada colônia, a dos fundos da fazenda Palmeiras, recanto que não mais existe, constava de quatro casas e foi numa delas que se deu o citado incidente do televisor atingido por uma faísca elétrica. Chegamos na hora da noitinha, quando as primeiras estrelas começavam a despontar no céu.

Era um lugar bonito esta colônia, e nela se situavam as últimas casas do lado oeste da Usina. Me permitam o detalhismo de relacionar seus moradores, lembrando que com exceção da 3ª casa, todas as outras eram geminadas: de cima para baixo: 1ª - Zinho Preto, filho do Zeca Custódio/Zé Olivatto; 2ª - Dona Nica/família Barbosa; 3ª - Seu Zeca Custódio; 4ª - Irineu /Pedro, ambos também filhos do Seu Zeca Custódio, lembrando ao leitor que foi na casa do Irineu que ocorreu o incidente com o raio, de que falaremos adiante.

Era um lugar bonito esta colônia, e nela se situavam as últimas casas do lado oeste da Usina. Ao sul e à sudoeste ficavam as matas e os tanques do bairro rural Serra D’água, lugar onde estive poucos meses antes por ocasião de uma enchente, e também o ponto para onde se dirigira um OVNI do tipo sonda que eu e amigos observamos três anos depois. Era um lugar interessante, aquelas paragens, e foi do passeio desta colônia, naquele inesquecível  lusco-fusco, que revi ao longe as matas de entorno que ocultavam os recantos tranquilos daquela localidade.   

Sucorrico - Araras-SP
Um mês depois, em junho de 1973, seria inaugurada a Sucorrico, empresa de beneficiamento de suco de laranja. Se situava ela entre os quilômetros 176-177 às margens da rodovia Anhanguera, e desta colônia podia se ver a luz vermelha que ficava no alto de um enorme reservatório de água de forma tubular que lá havia. 

― Que luz vermelha é aquela pai, lá onde o Sol se põe? Eu nunca vi aquela luz antes?

― É daquela nova empresa, a Sucorrico, do Lair de Oliveira, que vai inaugurar agora o mês que vem.

― Aquele empresário da fazenda Bom Jesus onde nós fomos aquele dia?

Isso. 

A citada janela vista de fora e do interior do clube, 26-8-2008
Desde então, toda vez que estava no cinema da Usina nos sábados e domingos à noite, eu costumava olhar pela janela do corredor da sala de projeções para ver esta luz. Não sei dizer o porquê de eu ser atraído por ela... Na verdade, coisas de menino,  eu realmente tinha fixação por luzes coloridas e adorava vê-las piscando ao longe, porém, ali, naquela solidão da Usina, mesmo nos lugares mais altos como o Restilo, não era possível ver as luzes dos bairros rurais das redondezas e de cidades limítrofes, sequer, ao que eu me recorde, as luzes residuais destas. As torres de TV do Morro do Cuba certamente tinham suas luzes, mas, elas não eram tão facilmente visíveis a partir da Usina, a não ser que se tivesse nos altos do citado Restilo, mas eu não costumava ir ali à noite. Também, no morro da fazenda Morro Alto ainda não haviam sido instaladas torres semelhantes como hoje . Então, a luz mais alta que se via dali era a unicamente a luz vermelha da caixa d’água da Sucorrico à oeste da Usina, 2,5 quilômetros distante, porém, desde que se estivesse na janela do corredor da sala de projeção do Clube Recreativo.  A colônia de baixo, em relação à maior parte de toda a sua periferia, era quase como um baixio fechado de vegetação e plantações, de modo que, dali, nada se via da vizinhança a não ser a colônia de cima e os sítios do Marião e do Narciso. Me recordo que quando ganhei minha luneta no Natal de 1972, algumas das primeiras luzes que observei foram as de uma árvore de Natal que se via no sítio São Sebastião próximo da rodovia Anhanguera, junto à atual Rádio Fraternidade, às margens da rodovia Wilson Finardi, que leva à Rio Claro. O que eu sei dizer é que era realmente lindo ver aquelas luzes coloridas através da luneta. 


O palco da história principal, em mapa da Terrafoto de 1978.


― Que luz legal, pai!

― Ela não tem nada demais: é uma luz vermelha como outra qualquer...

― Para mim não... ela até lembra um disco voador...

― Disco voador?!

― Ué, e o senhor não viu um ali perto da fazenda Bom Jesus aquela noite quando voltava sozinho de Leme?

― Aquela bola de fogo que vi no céu ultrapassando a DKW do outro lado da pista?

― Sim ela mesma!

― Ela era muito maior, e me deu um medo danado! Voltei para casa branco que nem vela, e quase nem consegui contar para tua mãe!

― Uau!

 Wenilton, vamos supor que um disco voador estivesse voando bem baixo à noite e não existisse aquela luz vermelha no alto da caixa d’água da Sucorrico. Você pode imaginar o que aconteceria?

 Ele iria ter de procurar outro lugar para buscar água, pai...

 Boa resposta!


*   *   *

Dentro do carro ainda, após meu pai descer, fiquei ouvindo uma belíssima música instrumental, que ao final o locutor disse ser “Crônica da casa assassinada”, do disco recém-lançado do Tom Jobim, o ótimo “Matita Perê”.

“Quando o dia está bonito
Ainda a gente se distrai
Mas que triste de repente
Quando o véu da noite cai.”

"Matita Perê" - Tom Jobim

Fomos recebidos pelo Irineu que nos esperava sentado num banco sob a copa de uma grande árvore que ali existia. Prontamente ele nos levou até sua casa. Adentramos a pequena sala e ali pudemos constatar o surpreendente estrago: o televisor não só explodiu como também teve rachado ao meio os pés do suporte da mesinha onde estava. 

― Nossa, pai, olha isso!

― Caramba! Mas que diabos aconteceu aqui, amigo?!

Irineu Custódio, em janeiro de 1975.
O aparelho ficou inutilizado e em frangalhos, o que causou grande prejuízo à família, que era pobre, e que, para não ficar sem um televisor, não teve outra alternativa a não ser a de comprar outro, mas de segunda mão, que, para a felicidade da família, havia alguém na Usina que restaurava e revendia televisores à preços módicos, que era, nada mais nada menos, que o meu pai. 

― Como o senhor ficou sabendo que eu vendia televisores recondicionados?

― Acho que foi o Renato Borgatto que me falou. Daí eu fui aí na sede da fazenda e liguei pro senhor, porque o senhor sabe, né, que eu não tenho telefone em casa...

― Ah, olha só que coincidência: eu ia passando pela colônia da fazenda lá na frente, e encontrei ele, e pedi informação sobre onde o senhor morava!

Coincidência memo!

Mas fique tranquilo, amigo, que logo-logo os telefones vão ficar muito comuns e todo mundo vai ter. E o senhor viu na tevê que inventaram um dia desses um telefone pessoal que funciona sem fio? 

― Sem fio?! Mas como é isso?

― Parece que ele funciona com ondas de rádio, assim como nos rádios que a gente tem em casa, mas é um satélite que envia os sinais.

― Satéliti! O que é isso, seu Warti?

― Como vou te explicar, Irineu?... O senhor já viu à noite essas luzes que atravessam o céu bem alto e sem fazer barulho?

― Já vi uma veiz, sim, mas eu pensei que era uma estrela que andava. 

― Pois era um satélite. Um satélite é um aparelho criado pelo homem que fica dando voltas em torno da terra, mandando sinais de TV e telefone, fotografando as nuvens, as terras, estudando a atmosfera...

— Atmo o quê?! O que é isso que o sinhor disse?!

— A-ti-mos-fe-ra, a camada de ar em volta  da Terra.

— Ah, sim, mas que aparelho danado esse, hein, seu Wart!
 Faiz cada coisa!

Casa atingida por raio atraído por antena de TV.
A faísca elétrica causara ainda outros estragos impressionantes: a pintura da parede havia sido enegrecida ao longo de uma faixa de trinta centímetros de largura de cada lado do fio da antena, que, por sua vez, se fundiu. Gotas de metal e plástico derretido pingaram no chão de vermelhão enchendo-o de pequenos crivos pretos. Parte da parede junto ao teto espatifou­-se em pequenos blocos, como se ela tivesse sido minada com uma forte bomba junina. 

— A coisa foi feia, hein!

— Se foi, Seu Warti!

― Quando se deu isso, Irineu?

― Ontem mesmo, quinta-feira.

― Basta uma tempestade, uma tevê ligada e a casa da gente fica como aquela música dessa nova novela aí da Globo, a “O Bem Amado”!

― Que música?

― “Paiol de pórva”...

― A sim, a música do Vinícius e do Toquinho! Então sua casa virou um paiol de pólvora, amigo?!

― Quase, seu Warti! E olha que a gente tava assistino essa novela quando o raio caiu! Por Deus nóis num fomo atingido!

― Mas é bonito e tranquilo este recanto aqui onde você mora, não é ”uma casinha qualquer no colo da serra”, mas é um cantinho agradável!

― Mas essa casinha da serra é de uma música da novela, não é?

― Sim, também do Vinícius e do Toquinho! 


 
"No colo da serra" -  Toquinho e Vinicius de Moraes.

O cruzeiro da fazenda Palmeiras em janeiro de 1995. Ao
fundo, o eucaliptal à leste do bairro rural Água Branca.

Os prejuízos na residência não foram de grande monta, e, em breve, a própria administração da fazenda se encarregaria de consertar os estragos.  

Agora, imagine-se numa frágil e simples casa, com seus 110 volts de tensão, despencar um raio com 1 bilhão de volts! Mesmo as poderosas linhas de alta tensão que passavam à oeste da Usina junto a rodovia Anhanguera tinham lá seus “meros” 440 mil volts. Mas, pela potencial dimensão do perigo, o que aconteceu naquela casa foi muito pouco numa das então 40 trovoadas anuais que aconteciam em Araras naqueles tempos. 

Como se vê, ambos os para-raios das imensas chaminés de Usina não foram suficientes para a desviar o raio para si, lembrando que a chaminé maior tem 65 metros, uma altura considerável. Enfim, "meno male", era, como se dizia na época, um raio do tipo "frio", faísca que não causa incêndio — ele pode explodir partes de uma árvore ou casa, mas lampeja tão rapidamente (em menos de 1/10.000  segundos) que não ateia fogo.

― Mais um raio desses, seu Warti, e é a minha casa que vai ir pros ares!... A data da Santa Cruz já passô, dia 3 de maio, mais memo assim eu vou ali no cruzêro do terrêro da fazenda fazê uma oração de Santa Cruz pra protegê minha casa contra raio. Pra falá a verdade, seu Warti, eu tenho que fazê isso pois tô arrependido...

― Arrependido de quê, Irineu?

― É que eu perdi a cabeça, seu Warti. Tava tão revortado com Nossa Senhora que ela num protegeu minha casa contra o raio, que eu peguei a imagem dela e joguei ela no meio d'um pasto que tem ali perto de casa...

― Ah, Irineu!...

─ Na verdade, seu Warti, meu erro comeô bem antes, e foi por burrice: meu erro foi tê jogado fora meses atrais um ramo de palma benta que ficava no pé de Nossa Senhora. Minha mãe tinha pego ele lá na cidade num Domingo de Ramos. Eu num sabia e joguei ele fora pensano que fosse flor seca... Com a proteção que ele dava, nunca ia cair um raio aqui em casa, mas....


A velha figueira

A velha Gameleira da fazenda Palmeiras (Ficus sp.)
A citada árvore que havia em frente a colônia, soube depois que era uma figueira branca, ou Gameleira (Ficus sp.), por sinal ainda existente, ao contrário da colônia, que foi demolida. Seus galhos longos e de grandes folhas formavam um amplo dossel onde, nos finais de tarde, os moradores se reuniam para conversar.  

Tanto quanto os estragos feitos pelo raio, essa figueira — que foi a primeira que eu conheci —, me chamou a atenção pela seu gigantismo e aparência ― era imensa. 

Outro dia memo, seu Wart, caiu um baita raio num guapuruvú aí da fazenda Montevidéu e rachou a pobri árvi no meio! Que judiação! Ela era enorme e bonita de dar gosto!

― Guapuruvú?

― É a ficheira, aquela árvi que dá aquelas ficha que a molecada usa prá jogá tômbola.

― Ah, sim.

― Mas raio é estranho, né Wart.

― Por que estranho, Irineu?

― Veja bem: o raio caiu bem na minha casa, onde só tem gente boa, honesta e trabalhadora. O raio devia cair no chão, né, seu Wart, aí não fazia mar prá ninguém.

― Sim, seu Irineu, mas o problema é que tem tanta gente ruim por aí, mais tanta gente, como os ladrões e os político corruptos, e os raios vão cair justamente nas casas nas árvores!...E o mais estranho é o raio cair na antena e não na bruta dessa árvore aí!

― Ao contrário da peroba, do jacarandá e do cajuêro, seu Warti, a figuêra num atrai raio não.

― Mas porquê?

― É que o tronco liso delas segura pouca água. O tronco tem que sê rugoso e está empapado d’água para atraí as faísca.

― Interessante isto! 

Meu pai pegou um figuinho no chão. 

― É bom para comer isso, Irineu?

― Só morcego e passarinho come, mais é bão como isca prá se pescá traíra.

― Olha só!

― Mais me diga uma coisa,  seu Warti, o sinhor tá criano curió ainda?

― Sim. E você, continua criando sabiás?

― Andei caçando uns aqui com visgo.

― Visgo de jaca?

― Não, dessa figuêra aí.

― Não sabia que figueira dava visgo.

― Visgo bão, seu Warti.

― Mas eu acho que isso judia demais dos passarinhos, Irineu. E dá um puta trabalho para limpá-los depois.


Laboratório do céu 

À esta altura, se faz necessário a inserção de mais um fundo musical para a história, e novamente recorro ao mestre Steve Roach, com o tema "Underground Clouds Over A Secret Grotto", uma das peças do excelente disco "Atmospheric Conditions", de 1999.



"Underground Clouds Over A Secret Grotto" - Steve Roach

A Skylab em 1973.
O mês de maio de 1973 fora muito interessante, pois no dia 14 os jornais convidavam a população a olhar para o céu ao anoitecer, pois poderiam ver a passagem da estação espacial Skylab, “A mais complexa máquina espacial já construída”. Esta estação fora concebida para funcionar como uma oficina em órbita, sendo utilizada em pesquisas de assuntos científicos diversos, como, por exemplo, os efeitos da ausência de peso no corpo humano durante longos períodos de permanência no espaço. Os cientistas norte-americanos estavam preocupadíssimos com esse fato, já que dois anos antes, ocorreram problemas com os cosmonautas da missão Soyuz 9, na estação Salyut-1 ― a primeira estação espacial do mundo ―, colocada em órbita pela URSS em abril de 1971, com a missão de investigar os efeitos da longa duração da falta de gravidade sobre o corpo humano. O irônico foi que, quando em órbita, os cosmonautas sacrificaram boa parte de seus exercícios físicos programados e investiram mais nos trabalhos científicos sobre os efeitos da imponderabilidade no organismo. O
A estação Salyut-1
problema foi que, ao retornarem à Terra, estavam tão fracos que mal tiveram forças para abrir a escotilha!... Depois, em 29 de junho de 1971, três
cosmonautas da missão Soyuz 11, que trabalharam na mesma Salyut-1, também durante o retorno à Terra, protagonizaram aquele que é um dos maiores mistérios da história aeroespacial mundial, senão o maior. Uma vez em terra, os técnicos se surpreenderam quando, ao abrir a escotilha, encontraram os três cosmonautas sorrindo placidamente, porém sem fazer movimento algum: todos estavam mortos, e mesmo após todos os exames possíveis não encontraram nenhuma causa, embora algumas fontes citem despressurização da escotilha no momento do retorno.

Vale lembrar que, no dia anterior ao lançamento da Skylab, ou seja, o domingo de 14 de maio, já chamando a atenção para sua excêntrica figura, o Raul Seixas, no show Phono 73, a certa altura de sua apresentação resolveu pintar em seu ventre com um batom vermelho o Ankh, o símbolo de Amon Ra, mas acrescido dos dentes de uma chave, e já preconizando a Sociedade Alternativa, berrou ao microfone:
 
"Está lançada aqui a semente, a semente de uma nova idade, é, a nova idade da qual vocês todos vão ser testemunhas, é!"

Estranhamente — e o compacto com a música fora lançado neste mesmo mês de maio ―, Raul não cantou “Ouro de Tolo” no Phono 73, a canção que mencionava o OVNI que ele e Paulo Coelho viram na Barra da Tijuca, isto, após Raul se apresentar no VII FIC – Festival Internacional da Canção, em setembro de 1972.

Em plena febre da Era Espacial, a personagem Mafalda, nas páginas da revista Geração POP, em maio de 1973.

*   *   *

O Teschinha, na época da história.
Sem mais abstrações, voltemos à Skylab. Orbitava ela à surpreendentes 435 quilômetros da Terra, podendo ser vista como passando pelo céu brilhando como uma estrela de 2ª ou 3ª grandeza. A NASA divulgava que a cada cinco dias, numa faixa de cerca de 50º abaixo da linha do Equador, ela passaria por sobre São Paulo. Infelizmente, como eu ainda não lia jornais nesta época, não soube destas preciosas dicas, embora soube de seu lançamento pelas reportagens nos canais de TV. 

— Viu na TV, Teschinha, que amanhã vão lançar a estação espacial Skylab?

— Vi sim, mas será que vão mostrar o lançamento?

— Não sei, mas é uma coisa tão espetacular que tem de ser mostrado!

— Sem dúvida! Afinal ela é a primeira estação espacial tripulada dos Estados Unidos!

— Ela é um monstro: tem 36 metros de ponta à ponta e 77 toneladas de peso!

— Caramba! 

— Será que vai dar para ver ela passando no céu?

— Eu acho que sim, Wenilton, pois os satélites que são bem menores a gente vê, imagina o brilho que deve ter aquela nave gigantesca!

— Pode crer!

— Se soubéssemos a hora em que ela passa, poderíamos fotografá-la com minha máquina Kapsa, mas eu não sei se dá para fazer fotos noturnas com ela.

— E pior, onde iremos buscar informações sobre as horas em que ela passarão aqui em cima? Se é que ela vai passar por aqui!...

— Que merda! 

O fato mais marcante e triste envolvendo a Skylab, se deu seis anos depois, em meados de 1979, quando se constatou que a Estação estava saindo irremediavelmente da órbita e perdendo altura, sendo inevitável sua reentrada na atmosfera e queda na Terra. Seu resgate, além de impossível, era por demais oneroso. A dúvida que surgiu foi sobre o dia exato em que seus restos se despencariam e até mesmo onde cairiam — seria em algum oceano, num deserto qualquer sem vivalma ou sobre alguma megalópole com milhões de pessoas? Ironicamente, a resposta chegaria dez dias depois do Dia da Independência do Estados Unidos, e nove antes da comemoração de dez anos da chegada do homem à Lua, ou seja, em 11 de Julho de 1979. Porém, nos últimos dias de "vida" da Skylab, os cientistas da NASA conseguiram entrar com sucesso no sistema de bordo da Estação e dirigiram a sua queda para lugares seguros. Parte dela mergulhou em meio ao Oceano Índico e a outra despenhou-se numa região pouco habitada da Austrália Ocidental. 

O felizardo Stan Thornton
A coisa descambou para o humor: houve quem ganhasse dinheiro vendendo chapéus anti-Skylab, prevendo que um pedaço quente da Estação pudesse cair sobre a cabeça de alguém!... Já o jornal San Francisco Examiner, da cidade norte-americana de São Francisco, que tinha prometido um prêmio de 10 mil dólares à primeira pessoa que chegasse à sua redação com restos da Skylab, acabou mesmo por ter de desembolsar o montante poucos dias depois: Stan Thornton, um jovem australiano de 17 anos, recebeu a prenda inesperada vinda dos céus, quando restos da nave caíram, felizmente, não sobre sua cabeça, mas sobre o telhado de sua casa... Bastou-lhe recolher os 24 pedaços caídos e apanhar o primeiro jato para a terra do Flower & Power. Por fim, o jornal pagou a fabulosa soma ao primeiro felizardo da loteria espacial, que retornou para a Austrália carregando no bolso algo em torno de 30 mil reais hoje.



A doentia Salyut-2

A estação Salyut-2
Vale lembrar que existia ainda em órbita outra estação espacial, a Salyut-2, lançada pela em 3 de abril de 1973. Bem menor que a Skylab, tinha ela pouco mais que 14 metros de comprimento, pesando cerca de 19 toneladas e sua órbita era baixa, gravitando acima de 250 quilômetros de altura, completando uma volta em torno da Terra em torno de 90 minutos.

Referência alguma encontrei que comentasse suas passagens pelo céu e o brilho que emitia, que devia ser tão brilhante quanto a Skylab. No final de abril, um cientista do Observatório de Paris, em Meudon, França, constatou que o brilho da estação sofria variações, o que parecia indicar que ela não estava se estabilizando como devia, o que fazia coro às observações dos norte-americanos que deduziram que seu voo prosseguia com grandes inconvenientes. E os prognósticos se confirmaram, pois, logo em seguida, a estação perdeu o controle de atitude e a pressurização, o que a deixou inutilizável, isto, sem que nenhuma tripulação a tivesse visitado. Sua órbita foi decaindo e ela reentrou na atmosfera em 28 de Maio de 1973, caindo em pleno Oceano Pacífico.


A “estrela que anda”...

Na citada segunda semana de maio de 1973, ocorreu-me algo que foi tão marcante quanto se eu tivesse visto a própria passagem da Skylab pelos céus e soubesse se tratar dela, o que comento agora.

Naquela mesma noite na colônia, enquanto meu pai conversava com o dono do televisor, saí para a escuridão para ver o céu e ao olhar para os lados da fazenda Serra D’água vi surgir do lado noroeste indo em direção ao sudeste uma grande luz branco-amarelada, que se deslocava paralelo à Terra brilhando como uma estrela de 2ª grandeza. Inicialmente, como vimos, pensei que se tratasse do satélite lançado para estudos atmosféricos, o gigantesco Echo IA, que eu havia conhecido pelo “Atlas de Astronomia” (figura, 1965) do Ignácio Puig. Neste exato momento, um dos filhos do “Zéca” Antonio Custódio, o Lauro, saiu de sua casa e me flagrou ali ao relento observando o céu. 

O que você está vendo, menino?

Olha aquela luz lá em cima passando! 

Espere! Mas, que música é esta que vem de um rádio lá do interior da residência, aliás, música muito oportuna?! Sim, é ele, o Eumir Deodato com “Also sprach Zarathrusta”, o tema de “2001, Uma Odisseia no Espaço!”, o filme que abriu caminho à novas ideias e realizações no campo da pesquisa espacial! Vale lembrar que o filme, de 1968, é memorável por sua notável trilha sonora, resultado da associação feita pelo cineasta Stanley Kubrick entre o movimento de satélites e os dançarinos de valsas. Aliás, o co-autor do filme é o já citado Arthur Clarke, o visionário dos satélites já em 1945! À música!


"Also sprach Zarathustra" - Eumir Deodato

Embora soubesse do recente lançamento da Skylab, não me passou pela cabeça que podia ser ela que eu estava observando, que, como já o disse, eu não tinha informação alguma sobre suas passagens. Por outro lado, caso fosse mesmo um satélite, era o primeiro satélite que eu via em minha vida! 

O Lauro, que agora observava a passagem da luz junto de mim, para a minha surpresa, disse que aquilo era uma “estrela que anda” (ele não se referia à estrelas cadentes ou meteoritos), mas disse a ele que se tratava aquela brilhante luz, e sua surpresa foi maior que a minha... 

— Satélite! O que é isso?! É o tar de disco voador?

— Não, não, Lauro, disco voador não é, mas parece...

— Mas ele tá alto, hein, e acho que mais alto que aqueles dois prédião gêmeo que inauguraro lá nos Estados Unidos! Vi na tevê um dia desses!

— Põe altura nisso: os dois prédios do World Trade Center tem uns 500 metros e este satélite está à milhares de quilômetros de altura! 

Lauro Antonio Custódio, 1974
— Nossa, é alto prá daná!

— Põe altura nisso... 

*   *   *

— Pra onde ele vai?

— Está dando voltas no mundo.

— Mas então ele vai voltá?

— Vai, mas se vamos ver ele novamente, só Deus sabe...

— Mas, me diga uma coisa: essa luz num cai não? Já pensô um bicho desse despencá na nossa cabeça!

— Um dia ela cai sim, amigo, mas não tem perigo não, pois ele desintegra e pega fogo quando reentra na atmosfera!

— Atmo o quê?! 

Enquanto o olhávamos, o objeto foi perdendo o brilho aos poucos, diminuindo sua magnitude e ficando cor laranja gradualmente enquanto se deslocava rumo ao sudeste varando a amplidão da noite silenciosa. Fui observando seu sumiço até que meus olhos tiveram dificuldades em distingui-lo em meio à escuridão. O Lauro reparou nesse pormenor. 

 — Pelo jeito, ocê gosta desseassunto.

— Sim, e eu queria ser astronauta; e você?

— Sei lá... pilotá um trem já tava bão pra mim!  

Mais alguns segundos passados, e o satélite desapareceu nas profundezas da escuridão do espaço, para nunca mais voltar a vê-lo, infelizmente...  

Lá, do mesmo rádio do interior da mesma residência, outra canção ganhava os ares, um grande sucesso da época, "Neither for us", com a grande Gladys Knight, onde ela canta o triste verso: "nenhum de nós quer ser o primeiro a dizer adeus"...

 Gladys Knigth & The Pips
"Neither One Of Us(Wants To Be The First To Say Goodbye)"

Súbito, como sombras voláteis surgidas da escuridão, vultos escuros se aproximaram da copa da figueira. 

— Nossa, o que é isso?!

— Morcego que vem comê figo.

— Nossa, mas são enormes! Olha: parecem diabinhos!

— Procê vê: tem gente que chama essa arvi de figuêra do inferno, porque diz é nela que o coisa ruim faz suas reunião nas madrugada de quinta-fêra.

— Coisa ruim! O quê é isso, Lauro?

— Ara, é o diabo!

Sartei de banda!! 

*   *   *

O  novo astro pop, Elton John, estreando num
 poster da revista Geração POP
, abril de 1973.
Com a promessa de voltar à colônia com um televisor, um conversor de UHF e uma nova antena no final de semana, retornamos para casa. Gratas surpresas no caminho! 

— Nossa pai, olha esta música agora!

— Quem é o cantor?

— Um cantor novo, o Elton John!

E no rádio rolou seu primeiro grande sucesso no Brasil, a belíssima “Rocket man”!

— Linda mesmo! Eu já ouvi ela, acho que naquela novela da Rede Globo que acabou em janeiro passado, “O Bofe”.

― Verdade, é o tema do Demetrius.

― Demétrius. Quem é Demetrius.

― Personagem da novela, o ator Cláudio Marzo.

― O grande Cláudio Marzo!

― Era um mecânico meio pilantra. O apelido dele era Grego.

Cláduio Marzo, como Grego.
― Tá tão barbudão e cabeludão que tá mais parecendo um hippie...

― Podes crê, pai!

― O quê que é, Wenilton? Deu para falar gíria, agora?

― É o maior barato, bicho!

― Ihhh, pode ir parando! Tô ficando grilado!

Em ambos rimos gostosamente.

― Linda essa música mesmo, hein, Wenilton!

— Pai, nada melhor que terminar a noite ouvindo uma música linda como essa após ter visto o primeiro satélite de minha vida!...

— Você viu um?

— Sim, pai.

— Seu tio João e sua mãe costumavam ver um nos finais de tarde lá na cidade, quando você não tinha nascido ainda.

— Que satélite era?

— Sei lá. Devia ser aquele tal de Sputnik.

— Sério?!

— E por falar em satélites, eu vi na TV um dia desses que o Elvis Presley gravou fevereiro passado um disco via satélite. Logo, logo chega no Brasil.

— Como assim, disco gravado via satélite?

— Ah, não sei dizer, Wenilton, mas acho que é isso. 

 
Elton John - "Rocket Man"


Meu pai se referia ao disco “Aloha from Hawaii”, gravado em 14 de janeiro de 1973, e transmitido ao vivo via satélite para cerca de 40 países. Foi o primeiro show musical transmitido através desta tecnologia, e o satélite de comunicações responsável pela transmissão foi o Globecam Intelsat IV, da NSAS. A audiência estimada foi de mais de 1 bilhão de telespectadores, mais do que o público que assistira o homem pisar na Lua!... Porém (pobres de nós!...), o show não fora exibido no Brasil devido a uma exigência dos organizadores, já que mais da metade dos aparelhos teriam que ser à cores, e o Brasil só começou suas transmissões em 19 de fevereiro de 1972, havendo portanto poucos televisores no país.

Já a transmissão da Copa do Mundo de Futebol, em 1970 no México, que ocorreu de 31 de maio até 21 de junho, foi a primeira a ser transmitida pela TV, ao vivo, via satélite, e em cores. No entanto, no Brasil, como se viu, todos os televisores eram em preto e branco. As transmissões foram obtidas a partir do satélite  Intelsat III (do qual o Brasil participara do consórcio) para o auditório da Embratel, na Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro, e dele retransmitido para todo o país. Uma curiosidade: dentre as três bolas fabricadas pela Adidas para esta Copa, escolheu-se uma que era na cores preto e branco, que consistia de gomos pentagonais em ambas as cores, e que foi batizada de Telstar — sim, a citada "estrela comunicadora" das figurinhas de chiclete Pluft , porque, afirmaram que ela se parecia com o satélite. O Telstar foi o primeiro satélite de comunicação civil e ela, além de ter sido a primeira bola oficial da Copa, seu design é famoso até hoje, pois tornou-se um símbolo do próprio futebol. 

— Essa cidade é uma porcaria mesmo, pai!

— Porquê?

— Lançaram agora no começo do ano o filme “Eram os deuses astronautas”, e já se passaram quatro meses e o filme ainda não veio para Araras! Eu vi lá na livraria Odeon anos atrás o livro que deu origem à esse filme, e ficava namorando ele na vitrine... 

— E porque não me pediu dinheiro para comprar ele?

— Depois acabei encontrando ele na Biblioteca Municipal quando fui estudar no Cesário Coimbra. 

Ao chegarmos em casa, outra surpresa: o locutor, como que selecionando só musicas de temática espacial nesta noite, falou: “Fiquem agora com ‘Starman’, com o cantor David Bowie!” Este cantor eu ainda não conhecia na época.

 
"Starman" - David Bowie


 OVNIS no encalço de satélites

A passagem do Sputnik-2, na madrugada de 7-11-1957
Mas acontece que as histórias contadas no sub-capítulo “Satélites exorbitantes” me remeteram a outra ocorrida cerca de uma década antes com um escritor brasileiro, o pesquisador Passos de Machaqway, que em seu livro “Existiu um caminho pré-colombiano em Chapada dos Guimarães” (2011), trouxe uma história interessante sobre como os brasileiros reagiram à chegada do primeiro satélite artificial lançado pelo homem, como vimos, o Sputnik. 

Pois bem: Machaqway relembra que, em janeiro de 1962, quando estava com 19 anos, após o lançamento do satélite que ele imaginava ser o Sputnik, era comum, após o pôr do sol, os vizinhos terem por hábito colocar cadeiras na calçada diante de suas casas e ficarem por horas entretidos em conversas. Realmente, nesses horários de repouso ou passeios digestivos, quando a iluminação das ruas começava a atrair as mariposas, besouros e outros insetos primaveris, os olhos das crianças, dos adultos, dos velhos e dos casais de namorados se estendiam ao céu vasculhando alturas vertiginosas, e os olhares navegavam naquelas profundezas procurando por um pequeno ponto de luz movediço atravessando o firmamento de horizonte a horizonte. Um certo dia — relembra Passos —, estando diante de sua casa, na situação descrita acima, alguém apontando para uma área do céu, gritou: “Vejam: é o Sputnik!”

E todos que ali estavam reunidos se puseram a acompanhar calados aquele curioso pontinho luminoso que deslizava pelo céu por entre as estrelas. Era uma noite sem luar e sem nuvens, portanto ótima para observações. Quando o Sputnik se aproximou do centro do firmamento, aquilo que se julgava ser uma estrela ― até então um ponto de luz fixo no céu ―, mudou de posição indo se colocar ao lado do satélite quando este passou por ele. Logo em seguida, o mesmo se deu, pois outro ponto luminoso se aliou ao Sputnik acompanhando-o quando este passou próximo. Súbito, alguém gritou: “Olhem: a outra estrela também vai se mudar!”

O Vanguard I, em janeiro de 1962
E o fato se repetiu, indo o terceiro ponto luminoso se posicionar junto ao satélite. Portanto, três luzes estranhas se puseram a acompanhar o satélite quando este passou por elas. E Machaqway perguntou: “Haverá, em algum lugar, o registro desse fato?" 

Convém salientar que o satélite em questão não era o primeiro Sputnik, tampouco o segundo, lançado em 3 de novembro de 1957. O primeiro orbitou a Terra por cerca quatro meses antes de cair, o que se deu em janeiro de 1958, e o segundo caiu em 13 de abril de 1958. Caso a data do avistamento do satélite e dos OVNIs vistos por Machaqway seja correta, deve ter sido algum outro satélite lançado entre 17 de março de 1958 data de lançamento do satélite norte americano Vanguard I, ainda em órbita , e a citada data de janeiro de 1962, lembrando que tanto os soviéticos quanto os norte americanos lançaram centenas de satélites nesses quase quatro anos decorridos.

Mas acontece que um OVNI também abordou um satélite do tipo Echo ― no caso, o Echo II ―, o que se deu em 14 de novembro de 1964, fato observado pelo astrônomo argentino R. P. Benito Reyna, que, a partir do observatório Adhara, em São Miguel, Buenos Aires, pode ver um deles simulando uma espécie de batalha com o satélite, aquele seguindo este de um lado a outro do horizonte, porém de modo a evitar uma colisão. Além de Reyna ter fotografado o fenômeno, várias outras pessoas testemunharam o ocorrido.

Passagem do foguete Thor-Agena B após lançamento, 
levando o satélite Echo II para sua órbita, em 25-1-1964
Outro fato, irônico, porém, mas envolvendo o Echo I, se deu por ocasião do aparecimento do cometa Ikeya, descoberto pelo japonês Kaoru Ikeya no dia 2 de janeiro de 1963, o mesmo que descobrira outro cometa dois anos depois em parceria com Tsutomu Seki, que eu vira em outubro de 1965, menininho ainda e morando na cidade. Em entrevista ao jornal carioca Correio da Manhã de 13 de março de 1963, o astrônomo Muniz Barreto, do Observatório Nacional, no Rio de Janeiro, citou que, no início de março de 1965, o número de pessoas que procuravam a entidade para esclarecimentos havia aumentado, pois haviam vistos objetos luminosos atravessando o céu, e perguntavam se era o novo cometa. O astrônomo esclarecia que o cometa era um objeto difuso de 12ª grandeza, e o que estavam vendo era a passagem do satélite Echo I, que a reportagem dizia ser o Echo II, que só seria lançado no ano seguinte... Além do mais, esclareceu também às pessoas que o cometa “se apresenta parado entre as estrelas”, enquanto que os satélites “tem o aspecto de uma estrela que se desloca entre as outras”. Anos antes, no livro "A Conquista do Espaço", de Julio Minhan (1960), o autor entrevistara o mesmo astrônomo que declarou não acreditar em discos voadores, e que só acreditaria vendo-os.

Talvez o pequenino Sputnik não tenha surpreendido tanto os tripulantes de OVNIs, mas convenhamos que não havia como ficar indiferente aos globos gigantescos luminosos que eram os Echo, lembrando que o Echo II tinha 42 metros de diâmetro e era um globo de brilho altamente metálico. 

Mas, no citado caso dos OVNIs acompanhando o satélite que Machaqway pensou ser o Sputnik I (ou o II), há uma notável coincidência: quando do seu lançamento, ele não fora visto sozinho em sua passagem pelo céu, pois dois outros objetos gravitavam junto dele: um, o cone protetor da ponta do foguete que protegia o próprio satélite; outro, o resto do foguete que permitiu ao Sputnik seu último impulso, e este, por sua proporção, brilhava muito, com uma magnitude semelhante ao do planeta Vênus. Este pormenor é citado no livro “Os satélites artificiais”, de Charle-Nöel Martin, lançado em 1959 no Brasil. Assim posto, o fato poderia nos levar a cogitar que os OVNIs que Machaqway viu eram, na verdade, partes restantes do foguete propulsor de um outro satélite qualquer lançado após os dois primeiros Sputniks, partes estas que giravam em órbita junto dele e eram vistas à olho nu brilhando no céu, mas o fato de Machaqway e outras testemunhas citarem que as luzes que o seguiram estavam paradas no céu antes de sua passagem causam estranhamento, levando-nos a cogitar de se tratar realmente de OVNIs. Mas quanto ao Sputnik II, o satélite realmente foi seguido por um OVNI: fotografias tomadas da Terra com câmeras especiais mostraram que o engenho fora seguido, durante algum tempo, por um objeto brilhante, que tomou outro rumo depois. O caso é relatado no livro “Grandes Enigmas da Humanidade”, de Luís Carlos Lisboa e Roberto Pereira Andrade, lançado em 1972. 

Embora muitos pensadores ortodoxos não acreditem, e até mesmo a NASA e a URSS sempre tenham ocultado ou negado as ocorrências, é bom ter em mente de que há diversos relatos provando que os OVNIS, desde os  primórdios da Era Espacial, sempre seguiram de perto os avanços do ser humano nesta área, seja acompanhando os primeiros foguetes experimentais, seja acompanhando sondas meteorológicas, satélites e as próprias naves espaciais tripuladas. A verdade é que, além das 70 estações terrestres seguindo o Sputnik, haviam coisas no céus também no seu encalço: Brinsley le Poer Trench, em seu livro “A História do Discos Voadores” (1966), cita que cita-se que o ano de 1957 (o do lançamento do Sputnik) e o de 1952 foram anos pródigos em aparições de OVNIs pelo mundo todo logo após o lançamento do Sputnik II, justamente aquele que levava o primeiro ser vivo ao espaço na história da Era Espacial, a célebre cadelinha Laika. Porém, no supracitado livro "A Conquista do Espaço", Minhan cita algumas opiniões do Dr. Addison M. Durval, do hospital norte americano de Santa Isabel, de Washington, onde ele, se ocupando do assunto discos voadores, que acreditava serem produto da "agonia mental" que assolava algumas pessoas, diz que

"As comunicações sobre 'objetos voadores não identificados' diminuíram 14 por cento no segundo semestre de 1958, período em que se registrou um total de 296. Essas visões em sua maioria foram posteriormente identificadas como coisas reais: aviões, globos, estrelas cadentes, planetas e até satélites artificiais. A Força Aérea comprovou que 4 desses 296 objetos eram satélites artificiais avistados ao passarem à grande velocidade pela atmosfera terrestre.”


Meus primeiros selos

Acho que isto que agora relatarei, foi uma coincidência incrível, pois no dia seguinte após ter ido guardar numa gaveta os selos recém-adquiridos — que vieram no envelope do livro que comprei pela Internet, o supracitado “Atlas de Astronomia” (onde revi a ilustração do Echo I) —, ao abrir a caixa onde estavam os selos modernos que guardo, lá estava uma velha e vazia embalagem de selos cor salmão desbotada, onde se lia “Dominica” — Meteorologia, 3 valores, CR$ 1,50, selos estes lançados em 16-7-1973, que era de uma velha coleção de selos minha, da qual me desfiz vendendo-a para um amigo, o “Rico”, Ricardo Oliveira, no ano seguinte, e no pacote vendido, infelizmente, foram estes três belíssimos selos. Da maioria dos selos postais que tive em minha infância ― e foram poucos, não chegando à meia centena, acredito ―, quase nada me recordo de quais eram as suas imagens. Talvez até tenha comprado outros selos antes desses de temática meteorológica, e me recordo de uma série sobre a fauna brasileira, especialmente de um deles cuja estampa era o de uma onça pintada, aliás, uma série que eu gostava muito.

Meus primeiros selos, de Meteorologia...

Querendo saber quais selos eram, fui pesquisar no Google e para minha enorme surpresa encontrei-os e então pude rever e recordar as velhas e belas imagens que estampavam: uma, a do lançamento do satélite Tiros, nomeada “Launching of Tiros Satellite”; outra, a da “Radiosonde Balloon and Equipament”; e o último, a do belo “Nimbus Satellite”. Estes selos também foram lançados no Brasil em 1973, para comemorar os 100 anos do aniversário da Organização Mundial de Meteorologia. E vale lembrar que 1973 foi justamente o ano em que vi pela primeira vez o Pageos I cruzando os céus da Usina, naquela distante noitinha de verão na velha colônia da fazenda Palmeiras. Que gratas recordações, as desta inesquecível noite. 

E em se tratando de satélites meteorológicos, uma das coisas mais lindas do ano de 1969 foi a imagem do furacão Camille feita pelo satélite Nimbus III (lançado em 14 de abril do mesmo ano), uma exuberante foto colorida gerada por computador que acabou se tornando clássica, já que passou a estampar inúmeras páginas de livros de ciência pelo mundo todo, inclusive, foi utilizada na capa do álbum "Alternating Currents", da banda de jazz fusion Spyro Gyra, lançado em 1985. Um instante: eu disse "coisas mais lindas", mas devia ter escrito algo como "um dos mais 'belos horríveis' do ano", já que, por se tratar de um furacão, é uma expressão mais conveniente... Esse furacão, ativo de 14 a 22 de agosto, considerado de categoria 5, semelhante ao recente Katrina, assolou os estados norte americanos do Alabama, Mississippi e Louisiana, e também os da região sul dos Estados Unidos.


Nos umbrais de uma revolução...

Muito me admira o fato de eu ter comprado um selo sobre um dos mais importantes satélites construídos pelo homem, o Tiros, e recordando que a minha paixão por nuvens vem desde este período da infância, soube que foi justamente esse satélite que, girando a milhares quilômetros de altura, seus olhos eletrônicos orbitais permitiram demonstrar a perfeita organização a que obedecem as formações de nuvens de nossa atmosfera.


Três satélites Intelsat, 120º equidistantes, cobrindo o
mundo todo, como imaginado em 1945 por Arthur Clarke
Os cientistas, se referindo à aplicação prática de todos os satélites Tiros lançados desde 1960, disseram orgulhosos que eles nos colocaram “nos umbrais de uma revolução nos modos e modas de previsão do tempo”, pois com eles se ficou patenteado o grande potencial dos satélites meteorológicos, que com seus olhos mais poderosos puderam analisar todos os aspectos atmosféricos da Terra. À partir de 1979, eles passaram a ser denominados NOAA, nomenclatura que perdura até hoje.

Desnecessário dizer que sou uma dessas pessoas à qual é impossível pensar a época presente sem de reportar à esse período mágico da Astronomia e da Astronáutica, e fico muito feliz por ter sido contemporâneo de todo esse processo. Enfim, felizes os que puderam desfrutar dessas velhas noites instigantes em que espaçonaves e satélites gigantescos e brilhantes chamavam a atenção não só de terráqueos, mas também de extraterrenos, que discretamente os perseguiam... 

Enfim, finalizo este sub-capítulo com uma dúvida: foi, realmente, o satélite Pageos que eu vi passando aquela noite? Não teria sido a estação espacial Skylab, ou mesmo a desafortunada Salyut-2?  É muito provável, mas é um mistério que levarei comigo até o dia de meu crepúsculo... 

Enfim, amigos, notemos que a citada empresa Sucorrico renasceu das cinzas e vai de vento em popa com suas laranjas, mas, sua vizinha, a nossa querida Usina Palmeiras, oh, Deus!... em plena era do álcool combustível, jaz morta sem que uma vivalma sequer pense um dia em ressuscitá-la!....
 
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* Este capítulo faz parte do  Volume 6 - Across the universe ― abril de 1973 a dezembro de 1973". O livro está em processo de confecção sem prazo para lançamento.


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