quinta-feira, 11 de junho de 2015

UM VAMPIRO QUE APAVOROU AS NOITES USINEIRAS!

Um pavoroso vampiro! - Morcegos e... vampiros... - A casa assombrada e o Ribeirão do Pântano - O primeiro filme de terror, que sufoco! - O medo de voltar para casa ou “Give peace a chance” - O lobisomem da fazenda Santo Antonio - Lubigarrú?! Mas que diabos é isso?! - Lobisomens usineiros...

"Quando à meia-noite me encontrar, junto à você
Algo diferente vou sentir, vou precisar me esconder
Na sombra da lua cheia, neste medo de ser
Um vampiro, um lobisomem, um saci-pererê."
     (Canção da meia noite. Almondegas) 

“A morte e o sangue tem um papel primordial na
imaginação dos homens, portanto, não admira
o sucesso do fabuloso tema do vampiro, o morto-vivo
que vive eternamente a chupar o sangue de suas vítimas”.
(Grandes Enigmas da Humanidade. Luiz A. de
Araujo, Marly N. Peres. Vol. 2. Larousse. 2009)

“Alguns anos mais tarde comecei claramente
a perceber que o cinema integrava-se na
vida, fazia parte dela; soube então que a
realidade é inumerável. Desgraçados dos que
admitem só algumas parcelas de realidade”.
(A Idade do Serrote, Murilo Mendes, 1968)



O Clube Recreativo Usina Palmeiras. Foto; de Selma Caetano.
Minha mãe ao Weber, após ele acordar:

─ O que que está com a cabeça cheia de penas? Virou lobisomem e foi comer galinha de noite?

─ Não, mãe: foi meu travesseiro que furou...

*    *    *  

Ncinema do Clube Recreativo da Usina passava de tudo — filmes de todos os gêneros e para todos os gostos —, mas, curiosamente, a censura prévia, feita por não se sabe quem na Capital, não era tão rígida, de modo que filmes proibidos para menores não raro desembarcavam ali. Porém, como não era concedida previamente à Usina a escolha de títulos ou agendamento, as latas de filmes despachadas eram verdadeiras caixinhas-surpresa. Acredito que até mesmo o pessoal que manipulava o projetor do clube só ia saber do que tratava o filme durante a projeção. Ninguém ali assistia aos filmes antes, o que implicava em não fazer providenciais censuras em cenas proibidas à menores; além do que, às vezes, os próprios títulos não deixavam adivinhar seu real conteúdo. 

Jácomo Petruz, o 
"censor" dos filmes

Soube depois que, estranhamente, o mesmo não se dava com o cine da usina São João, que ali, o filme que passava no sábado no Cine Araruna era o que, no dia seguinte, ia para o Cine Engenho Grande. Neste cinema, raramente filmes eróticos chegavam até os olhos dos colonos, pois a seleção das películas e sua prévia censura já era determinada por quem enviava os filmes de São Paulo.

Compreensivelmente, os filmes que passavam na Usina raramente estavam em consonância com os que passavam na Capital na mesma época, ou seja, nós da Usina não estávamos incluídos nos circuitos de estreia das grandes cidades, de modo que não participávamos das novidades anunciadas nos jornais e na televisão. Assistir lançamentos só mesmo no Cine Araruna, que participava ativamente dos circuitos. Acredito que os filmes que passavam na Usina só chegavam ali depois que eles saíam de circulação em São Paulo — estocados nas distribuidoras, então eram despachados para o interior, para cidadelas e cineminhas das zonas rurais paulistas.


Um pavoroso vampiro!

O cartaz do filme "Drácula, o perfil do diabo".
O filme de que tratarei aqui agora — o clássico “Drácula, o Perfil do Diabo” —, que estreou na Inglaterra em 7 de novembro de 1968, não era um desses filmes censuráveis, uma vez que não se costumava vetar filmes desse gênero no Brasil, e mesmo as cenas de nudez não tinham ingredientes picantes à ponto de justificar cortes.

Este foi um dos poucos filmes de horror que assistimos na Usina. Cita-se que é um dos mais bacanas da série estreladas pelo impiedoso vampiro transilvano, filme pesado e sombrio, onde há todos os ingredientes comuns ao gênero: violência, humor, suspense, nudez, sangue e crueldade. 

Em São Paulo, a estreia de “Drácula, o Perfil do Diabo” se deu em quatro de agosto de 1969, e acredito que só no mês seguinte é que pudemos assisti-lo na Usina, quando ele deixou definitivamente de ser novidade no circuito das grandes cidades, justamente quando chegava às telonas o biográfico “Corisco – o Diabo Loiro”, interpretado por aquele que viria a se tornar no futuro o meu ator predileto, o destemido Maurício do Valle.

Na mesma época, na Capital, integrava o circuito de filmes novos o ótimo “2001: uma Odisseia no Espaço”, que ou não passou na Usina ou passou, mas eu estava com a família na cidade, filme que eu ia adorar tê-lo assistido naquela época, por ser um tema do meu maior agrado: a conquista do Espaço...


Morcegos e... vampiros...

Ah, os vampiros! Estes tipos que as artes imortalizaram no inconsciente coletivo, cujas histórias instigam há séculos a imaginação humana! Bichos estranhos estes, que sonham com uma existência infinita, que dormem dentro de caixões com terra proveniente de lugar onde nasceram; a sua arte demoníaca de se transformar em grandes morcegos com aparência semi-humana, de pálido semblante, e de surgirem dentro da noite, para com seus dentes pontiagudos e brancos, hipnotizar, atacar e sugar o sangue dos humanos que caírem em suas garras!

― Sabia, Wenilton, que se um vampiro se olhar no espelho a imagem dele não aparece?

― Noossa, e como ele consegue fazer aquele penteado bonito?

― Há, há, há!...

― E se você fotografar ele, ele não sai na foto...

― Então o RG dele nem tem foto 3 x 4?... Acrescentou o Wagner.

― Essa é boa!...

*    *    *  

E por falar em morcegos (e medo), lembro-me que, por essa época, costumávamos nos reunir — todos os parentes do lado dos Daltro — num sítio de um casal de tio nossos, o Aldo e a Sinha, lá no bairro São Vicente, onde passávamos os domingos em almoços e churrascos durante o dia todo. 

Nunca vou me esquecer da sensação de mistério que infundia a nós meninos uma casa que havia contígua à principal, nos fundos, que nos parecia ser um lugar assombrado mesmo durante o dia. Tínhamos receio de ir ali, e quando ali estávamos, aquilo não mais parecia ser o sítio, mas um outro lugar qualquer . Lembro-me que nesta casa, onde não morava ninguém, havia morcegos em seu interior e tínhamos medo de entrar ali. Os adultos, só para nos assustar, diziam que se ali entrássemos os morcegos iam nos atracar e chupar nosso sangue. As noites nesse lugar isolado eram bem sinistras, e até o rio que passava por ali tinha um nome “sugestivo”: Ribeirão do Pântano!..., urso d'água estreito, porém fundo e de águas geladas.


O primeiro filme de terror, que sufoco!

O ator Christopher Lee
O lendário ator Christopher Lee (1922-2015) foi quem interpretou este que é considerado o maior de todos os vampiros do cinema, o temível Drácula, entidade esta que surgia novamente em 1969 para assombrar o planeta neste polêmico filme. Lee foi tão feliz neste papel que viera a se tornar o principal arquétipo de vampiro do cinema mundial, e, dentre todos os que interpretaram esta temível entidade, foi Lee, com sua voz grave e assustadora sua marca registrada , quem mostrou o que o Drácula tinha mais de ameaçador. Assim, diria que Boris Karloff está para o Frankenstein, assim como Christopher Lee está para o Drácula.

Paul estacando Drácula.

Creio que desde o filme “Black Sabbath” (1963) interpretado pelo Karloff, não se via um filme tão apavorante. Foi justamente deste filme que em agosto deste ano saiu o batismo da banda de heavy metal Black Sabbath, e a canção homônima que usava o sombrio intervalo musical conhecido como “tritono”, acorde proibido que, segundo cristianismo medieval, invocava o demônio!... Falecido recentemente, aos 93 anos, Christopher, décadas depois, viria a se tornar mais famoso inda ao vivenciar o maligno personagem Saruman em "O senhor dos anéis" e em "O Hobbit", mas a fama já vinha desde os primeiros dráculas que interpretara já na década de 1950.

Curiosamente, em O perfil do diabo, o personagem tem apenas umas quatro ou cinco falas, mas naqueles tempos pueris, só de ver aquela cara apavorante de vampiro, com aqueles caninos pontiagudos embebidos em sangue e os olhos trincados de vermelho, dava vontade de sair correndo do cinema já na sua primeira aparição. É compreensível esse medo irracional: computando, em 1969, eu tinha lá meus meros oito anos de idade, período em que a maioria das crianças se assusta por qualquer besteira, como realmente se deu... Mesmo nas cenas em que ele cravava seus dentes nos pescoço das jovens, momentos em que sempre tinham um acento sexual, já que elas gritavam sensualmente, o medo era quase o mesmo.

O Drácula estacado.

O cineasta pegou pesado na morte desta figura pálida e anêmica: poderia tê-lo matado com um tiro de bala de prata ou com um punhal enfiado em seu coração, mas preferiu dar cabo dele com uma grossa estaca cravada em seu peito por um golpe de marreta! Assim, uma das cenas inesquecíveis e mais cruéis — uma das poucas que retive em minha memória — era esta em que o ator Barry Andrews, no papel do jovem Paul, enfiava tal estaca no peito do Drácula quando este repousava em seu caixão. Esta cena impressionante foi o ápice daquele sábado à noite. Todas as crianças, e até adultos, ficaram chocados com a cena, e ficaram mais ainda (algumas gritaram) quando o sangue grosso começou a jorrar!

Maria Mueller e Paul
Mas havia ainda uma grande surpresa: quando todos tinham pensado que era o final do filme, o vampiro conseguiu retirar a estaca de seu peito e sobreviver!... Depois, houve outra cena tão chocante quanto, cena da qual não me recordava mais, em que o Drácula, numa briga com Paul, cai num precipício e uma cruz de ferro transpassa suas costas”.

E, enfim, como esquecer também das duas belas jovens do filme — Veronica Carlson (Maria Mueller), Barbara Ewing (Zena) —, que aparecem em algumas cenas com seus seios fartos e insinuantes quase pondo-os à mostra? Infelizmente, nestas horas, a “mãozinha santa” do Jácomo Petruz, numa espécie de censura instantânea, entrava em cena tapando a lente frontal do projetor, já que havia muitas crianças e menores de 18 anos no clube. Eram os momentos em que as vaias, risos e indignações eram gerais. 




O medo de voltar para casa ou "Give peace a chance" 

A varanda da entrada do cinema da Usina.
Após o final do filme, havia um pessoal que costumava ficar na varanda conversando e debatendo sobre o que acharam das cenas, porém, algumas passagens davam mais ibope...

— Gustão, você viu que loira foi pra cama com o cara que estacou o Drácula?!

— Loira, Miltinho?! Aquilo é uma loiraça, meu!

— E por falar em cama, você viu o John Lennon e Yoko Ono?

— O quê que foi?

— Eu vi hoje num documentário na TV: os dois, num hotel do Canadá!

— Mas o quê que tem?

— Você acha que pode: os dois fizeram um protesto contra a Guerra do Vietnã, dando entrevistas pra imprensa deitados numa cama!

— Que malucos!


Madres e crianças no recinto do cinema, em dezembro
de 1971: para esses, filmes do Drácula, nem pensar!...
— E foram mais de 60 entrevistas num espaço de 10 dias!

— Caramba, Miltinho!

— Cara, olha essa música agora naquele carro agora! Linda!

— Conheço! É “Goodbye”, com a cantora Mary Hopkin, outra loiraça!...

— Uau!

— E sabe quem é o autor da música?

— Nada mais, nada menos que o Paul MacCartney!

— Esse cara é foda: o melhor compositor dos Beatles!

— Podes crer, e acho que se ele seguir carreira solo, é o que mais vai fazer sucesso!

— Podes crer, meu: baladeiro como ele, não tem pra ninguém!

"Goodbye", com Mary Hopkins.

John Lennon e Yoko Ono, no polêmico "bed-in", o célebre protesto
a favor da paz, contra a Guerra do Vietnã, em agosto de 1969.
Nós, da colônia de baixo, voltávamos para casa tão logo terminava o filme, ainda mais sendo um filme com um teor desses, mas.... o pior estava por vir: tínhamos receio de voltar à pé para nossas casas, tamanho era o pavor de... encontrar o Drácula!... 

Ninguém bancava o besta de descer a estrada sozinho, e sempre descia num grupo ou, no mínimo, procurava a companhia de algum adulto. Nossa esperança era descer com o Gustão e do Miltinho, que eram mais velhos que nós, mas...

― Nós vamos ficar aqui fumando e conversando, molecada. Nem adianta esperar.

Obviamente, não iríamos e nem podíamos esperar. Ah, se a madrugada terminasse rapidamente e os galos cantassem anunciando a aurora, trazendo o Sol! Assim o vampiro fugiria da luz indo se recolher ao seu caixão. Invariavelmente, teríamos de enfrentar a escuridão ao lado da mata.

― ...mas e se o vampiro aparecer lá naquelas baixadas, Marcos?

― Trouxe uma réstia de alho para espantá-lo, Wenilton?

― Não.

― Uma rosa silvestre?

― Não.

― Um crucifixo, então?

― Muito menos!

― Então, meu filho, o melhor é você se juntar no bando e enfrentar a caminhada!...

O Volks-Wagen 1660, vulgo Zé-do-Caixão

E o medo era tanto, que as baixadas da comporta do tanque — que eram os lugares mais escuros e onde às vezes havia sapos cantando nesta época —, pareciam remeter à um recanto sombrio qualquer da sinistra Transilvânia. 


— Wartinho, e se o Drácula estiver escondido lá na casinha do Seu Ângelo?

— O Drácula escondido debaixo de umas ramas de xuxu — ocê tá louco, Wagner!...

— Sai da estrada, molóide, que vem vindo um carro!

Era uma das coqueluches do momento, o recém-lançado VolksWagen Sedã 1600, com 4 portas, que desceu “chutado” pela estrada em direção à cidade.

— Nossa, é um Zé-do-Caixão!

— Zé-do-Caixão?! Deus me livre! É hoje!!!...

E o carro passou largando poeira, rolando “Yester-Me, Yester-You, Yesterday” com o som no último.

— É um carro bonito, mas prefiro o Opalão 2500 de luxo!

— Podes crer!



A Usina à noite em 1976.
Quanto à escuridão, o mesmo se dava para quem ia para a colônia da fazenda Palmeiras, onde num certo trecho haviam arvoredos fechando os bordos da estrada e um velho casarão abandonado ali, lugar onde era comum pessoas se esconderem para assustar o que passavam por ali à noite. 

— Paulinho, quero ver se, numa hora dessas, você tem coragem de passar naquele trecho de estrada entre a venda e a colônia da fazenda!

— É, tem aquele casarão mal-assombrado lá, né, Wenilton!

 — Ah, ranquei meu! Nem matando! Mas, Paulinho, que filme doido, hein!

— Melhor seria ter ido ver "Hércules, o invencível" lá no Cine Araruna.

— Mas e a censura?

— Dez anos!

— Batata!

— Cara, preciso assistir esse filme! Todos eles são legais: o do Maciste, do Sansão, do Golias, Ursus...

— Podes crer, Paulinho!

Já para as estradas do lado norte — que levavam à fazenda Montevidéu e São Bento —, o que havia eram cafezais, de modo que o que mais se via era o céu estrelado. Já para o lado leste — indo para os sítios do Marião e do Narciso, bem como outros — o mesmo se dava, sendo que os cafezais eram substituídos por canaviais, de modo que a caminhada era tranquila.

Quanto à nós, ali na colônia de baixo, dormíamos sem problemas, resguardados pelas luzes, pelos prédios e maquinários rangentes da Usina, e, ao contrário de uma prima nossa da cidade que, muito jovem ainda, atreveu-se a assistir o maior filme de horror de todos os tempos, o então pavoroso “O Exorcista”, e, como castigo, precisou dormir junto de sua mãe por quase uma semana, tanto era o seu medo!... 


O lobisomem da fazenda Santo Antonio

Até então, mal se falava em vampiros naqueles tempos: vampiro era coisa ocasional de filmes de TV ou de histórias em quadrinhos — na verdade, mesmo nos gibis, os vampiros ainda demorariam um pouco para aparecer com frequência, o que se deu cinco primaveras depois, em setembro de 1976, com a primeira edição da revista Kripta.

Na Usina — quando se falava nesses assuntos — o que vinha à baila eram sacis, mulas-sem-cabeça, boitatás e um ou outro lobisomem. Eu mesmo, só fui ouvir falar de lobisomem uns quatro anos depois, na casa de minha avó Ana, que, num de seus serões matinais que fazia conosco antes de irmos para as aulas de Educação Física lá na cidade, nos contou de um que aapareceu algumas vezes para as crianças na "Colônia Grande" da fazenda Santo Antônio, quando morara lá na década de 1930.

A colônia da fazenda Santo Antônio em 1910, e a casa de meu avô à direita.
Eis a velha história. Certa noite, por volta das 9 horas, junto de outras crianças, estava o meu tio João Rocha — menino à época — no terreiro ao lado de sua casa brincando de cute, que era como se chamava o “esconde-esconde” à época. A uma certa altura, todos viram, à distância, um estranho e sinistro vulto parado e olhando fixamente para eles. As crianças se assustaram e fugiram amedrontadas. Meu tio entrou pela sala todo esbaforido e foi logo gritando para meu avô Francisco: "— Pai, tem um bichão grande, feio e peludo lá fora!"  Imediatamente, ele saiu para o terreiro e lá estava o vulto, de aparência humana, mas todo peludo, parado sobre quatro patas como um cachorro, quieto e olhando de modo ameaçador para ele. Sem medo e sem vacilar, ele gritou para a criatura: "— O que você está fazendo aqui?! Vá embora!"

vulto virou-se e desapareceu no meio da escuridão do mato. Porém, voltou em outras ocasiões, mas nunca ofereceu perigo atacando alguém, sequer aproximou dos moradores. Se limitava à olhar e partir depois de ser enxotado. Depois de um certo tempo asombrando nas noites da fazenda, a criatura sumiu para nunca mais aparecer.

Em entrevista com meu tio décadas depois, infelizmente, não perguntei sobre mais detalhes sobre a criatura, como, por exemplo, se ele emitira algum ruído ou voz, se tinha cauda, o desenho e tamanho das orelhas, mãos com garras, caninos salientes, bem como a cor dos olhos (há muitos casos de criaturas assim com olhos pequenos cor vermelho brilhante), mas disse-me ele que o animal tinha cerca de 1 metro de altura. 

João Rocha 1930-1991
Convém recordar que cerca de duas décadas antes, um exemplar do Tribuna do Povo, do ano de 1916, publicou uma reportagem transcrita de um outro jornal, o Cidade, de Bariri — município paulista situado a cerca de 170 quilômetros a oeste de Araras —, onde é relatado um caso em que os depoentes se depararam com uma criatura, talvez semelhante ao que meu avô e as crianças viram, a que denominaram "monstro". Muito provavelmente, pela descrição que deram meus parentes, aquela aparição poderia ser um lobisomem ou mesmo o folclórico Gritador, que, à época, andava assombrando todo o interior do Brasil, porém, como vimos, o animal quando apareceu às crianças não emitiu vozes ou ruído algum (para não assustar as crianças?), mas, como no caso de Bariri relatado abaixo, normamente o gritador faz seus berreiros quando longe das pessoas estando oculto nos matagais. Eis a reportagem transcrita na íntegra.
 

“Monstro

Lemos na ‘Cidade’, de Bariri o seguinte: 

Na fazenda ‘Capivari’ deste município, altas horas da noite, foram os moradores despertados por um acontecimento extraordinário que os pôs em verdadeira polvorosa.

De uma capoeira próxima à casa de Manoel Costa, partia uma espécie de gemidos, quase humanos, e por vezes se elevavam assumindo as proporções de verdadeiros urros.

O que seria? 

Armados, os moradores da vizinhança avançam medrosamente para o local e deram cerca a capoeira.

De súbito surgiu um indivíduo que de humano tinha o gesto e a figura.

Vasta cabeleira desordenada cobria-lhe o rosto pardavasco, onde dois olhos pequeninos e rubros como carbúnculos luziam ameaçadoramente.

Fitando a escolta, escancarou a boca numa gargalhada, mostrando as presas que passavam os beiços, num salto, atravessou o caminho internando-se nas matas.

Nessa ocasião, os da escolta estarrecidos de pavor, viram que o ‘monstro’ tinha o corpo coberto de abundantes pelos.

A policia tomou conhecimento do fato.”


Na década seguinte, meu avô se mudou com a família para a fazenda Montevidéu, local também assombrado e de muitas aparições fantásticas, como, por exemplo, a vista numa certa noite num serão, onde ele e minha avó presenciaram ao longe a chamada “Loira-de-sete-metros”, uma aparição que costumava ser vista pelo mundo todo, bem como ele se deparou, certa vez, com um boitatá no carreiro de um cafezal, curiosos assuntos de que tratarei em outro capítulo. 


Lubigarrú! Mas que diabos é isso?!

O Loup-garou, o temível lobisomem francês.

Ali por 1974, lembro-me de um dia quando meu irmão voltou da escola com uma nova e misteriosa palavra na boca — palavra esta que ele ouvira durante uma aula de francês — algo que entendi como “lubigarrú”: era o temível Loup-garou, o lobisomem dos franceses. Do modo como a palavra foi dita por ele, passou-me a impressão de algo misterioso e sinistro, até que ele a explicou, falando que era um lobisomem...


— ...foi a dona Irma Cressoni, a professora de francês que nos contou! Na verdade, eu ouvi falar dele pela primeira vez através dos mineiros ─ aqueles três irmãos lá da fazenda Palmeiras, e achei engraçado o nome. 

Dona Irma Cressoni





— Engraçado?! Esse nome é misterioso prá caramba!

— Daí que eu chamei de lubigarrú um menino da minha classe durante uma aula dela, ela ouviu e ficou surpresa que eu conhecesse ele, e me explicou o que era.

— Lu-bi-gar-rú?! Que nominho feio também, hein, Weber!

— É, é nome que eles dão para o lobisomem lá na França, a dona Irma disse! Um bichão peludo horroroso!

— Sai fora, meu! 


                              Lobisomens usineiros... 

O LP com a trilha sonora
E os vampiros continuaram dando ibope na Usina: quando no dia 3 de maio de 1976 estreou na Rede Globo a célebre novela “Saramandaia” — e a novela caiu no gosto popular —, os lobisomens ganharam mais terreno por ali e se tornaram o assunto preferido das rodas até entre mulheres. O fato se deu com o personagem interpretado pelo ator Ary Fontoura: um coletor de impostos — sujeito que não dormia há nove anos! Era o professor Aristóbulo Camargo, que virava lobisomem nas noites de Lua cheia.

— Olha, Dona Cidinha, a Usina Palmeiras não é como Bole-Bole, que tem a maior usina de açúcar da região, mas tem cada rapai aqui que num deve nada pr’esse lobisomem da Saramandaia!...

— Eu quero mesmo é ver se aparece uma Risoleta na vida deles!...

— Ih, ih, ih!...


*   *   *

O lobisomem de Saramandaia
Não se sabe de alguém que tenha se deparado com um lobisomem na Usina naqueles velhos tempos, mas, como se viu, havia mais de um homem ali que de tão barbudo e desleixado que era que se parecia mesmo com um, e eu não vou dizer quais eram...


— Olha esse aí saindo do cinema, Teschinha, num parece um lobisomem?...

— Fala baixo, Julião!

— De todo modo, co’essa Lua cheia aí fora, é melhor ele ir embora sozinho, pois vai que...

— Há, há, há!...

*    *    *  

Mas foi assim, que, naquela distante e inesquecível data primaveril de 1969, ficou gravada no imaginário daquela gente a pavorosa figura do conde Drácula , entidade que, pelo menos uma vez, viera assombrar as escuras e sossegadas madrugadas das paragens usineiras.

─ Não sei se você sabe, Tonholi, mas o Drácula não pode sair por aí em noite de Lua cheia.

─ O que eu sei é que ele não pode ver a luz do Sol, Wenilton, mas porquê em noite de Lua cheia também?!

─ Oras, a Lua reflete a luz do Sol.... 

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* Este capítulo faz parte do  Volume 2 - Sweet memories ― janeiro de 1969 a dezembro de 1970". O livro está em processo de confecção sem prazo para lançamento.


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